Lusofonia inflama a discussão

O conceito será tratado pelos angolanos José Eduardo Agualusa e Ondjaki e pelo moçambicano Mia Couto

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

O som ensurdecedor das vuvuzelas sul-africanas,marcantena Copa do Mundo, certamente não será a única lembrança da África neste ano.Uma das principais programações da Bienal do Livro de São Paulo prevê a discussão da lusofonia e, para isso, foram convidados os angolanos Ondjakie José Eduar do Agualusa e o moçambicano Mia Couto. Eles participam da programação cultural do Salão de Ideias, tradicional reduto de boas discussões.

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Otema promete – "Eu vejo a lusofonia como uma ampla sala de visitas na qual todos os falantes da nossa língua têm o direito de acesso para trocar experiências e pensar em projetos conjuntos", acredita Agualusa. Já Mia Couto aprova o debate e defende uma pluralidade: existem lusofonias. "A ideia da comunidade lusófona é uma construção que corresponde a interesses políticos particulares", diz. Para Ondjaki, é preciso discutir a definição, o conteúdo e a pertinência do conceito.

"Existe lusofonia? Se existe, quem a faz? Se não existe, quem a quer, quem na verdade precisadela? É um fantasma político, social? Os povos da comunidade de língua portuguesa sabem da existência desse conceito?", questiona.

 

Como explicar os problemas de distanciamento entre Brasil e os países africanos?

 

José Eduardo Agualusa "Como a língua pode ajudar a melhorar o mundo?":

Essa distância já foi bem maior.Há alguns anos era difícil encontrar livros de escritores africanos nas livrarias brasileiras. Hoje já é possível ter até escritores africanos participando de debates, como o que vai acontecer na Bienal.A aproximação econômica entre Brasil e Angola tem contribuído também para uma mais ampla aproximação cultural.

 

Ondjaki "Existe lusofonia? Os povos de língua portuguesa sabem dela?":

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Vejo nos últimos anos uma maior aproximação. Se é certo que, por exemplo, Angola e Brasil estão ligados a centros econômico distintos, a verdade é que a convergência em torno do petróleo e de alguns outros investimentos é cada vez maior. Cada vez menos se trata de falta de interesse, e sim de encontrar o modo de gerir "encontros" (políticos ou outros).

 

Mia Couto "Criadores culturais devem questionar o modelo Único que nos é proposto":

O fato de pertencermos a geografias com interesses estratégicos é importante. Por outro lado, se acreditou que os traços linguísticos e históricos por si mesmos poderiam criar laços. Hoje existem interesses econômicos claros, investimentos e uma dinâmica de presença de empresas, de troca de pessoas entre o Brasil e os países africanos. Mas a economia não faz tudo.

 

Como defender a oralidade africana contra a lógica da escrita, amparada pela globalização ?

 

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José Eduardo: A oralidade ainda contamina tudo. Parece-me importante, porém, ter em atenção queUma cidade como Luanda, bastante antiga para os padrões africanos ou americanos, tem uma já longa tradição escrita. A maioria dos nossos escritores vem dessa tradição. São poucos, infelizmente, os escritores de origem camponesa. Aliás, no Brasil também.

 

Ondjaki:  Existem literaturas que se baseiam muito na oralidade, mas não se engane o leitor pensando que isso é uniforme em todo o continente africano. Agora, a oralidade, como forma de expressão (no sentido mais tradicional) pode e deve ser defendida e isso será talvez tarefa de estudiosos da matéria, e do Estado, através dos Ministério da Educação ou da Cultura.

 

Mia Couto: Não sei se essa dualidade existe da maneira que a pensamos. A escrita está cheia de oralidade e, mais do que uma técnica, a oralidade é uma lógica que sobrevive à hegemoniada escrita.A defesa da oralidade não pode ser entendidas e não na perspectiva de que ela faz parte do modo de sermos modernos. Tratase de a reconhecerem suas formas vivas e produtoras de vida

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Como foi (e ainda é) sua relação com as literaturas brasileira e portuguesa, apontando ganhos e perdas?

José Eduardo:  Sempre me senti mais próximo dos brasileiros,O português do Brasil é bastante próximo do angolano, devido à grande quantidade de palavras de origem banto que nele persistem. Por outro lado, Eça me seduziu pelo humor, pela ironia. Mais tarde veio o Fernando Pessoa, a Sophia. Achoque paramimé cada vez mais difícil destrinçar esses diferentes mundos.

 

Ondjaki: Oganho é o mesmo,quase sempre, independentemente de ser língua portuguesa ou outra: o contato com outros materiaiscriativos faz crescer, dá lições de diversidade, intensidade.Claro que há casos marcantes, como Graciliano, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Clarice, Fernando Pessoa, António Ramos Rosa, Sophia de M.B. Andresen, Natália Correia.

 

Mia Couto: Não foram apenas influências artísticas.De certo modo eu vivi, mesmo sem o saber,um Brasilque existia na minha terra, na minha infância. As vozes que, depois chegaram por via da literatura, apenas confirmavam essa presença interior.

 

Oque considera essencial discutir no debate sobre a lusofonia, proposto pela Bienal?

 

José Eduardo: Vejo a lusofonia como uma sala de visitas na qual todos os falantes da nossa língua têm o direito de aceder para trocar experiências.A partilha da língua, e de muitas histórias, de sons, de sabores,de memórias. Em que é que esta nossa família de língua portuguesa podeajudar a melhorar o mundo, o que é que podemos trazer de novo no plano cultural?

 

Ondjaki: Talvez o importante fosse discutir o conceito. Existe lusofonia? Quem a faz ? Se não existe,quem a quer? É umfantasma político,social? Os povos da comunidade de língua portuguesa sabem dela?Tudona talde“lusofonia” são questões. Não há políticas nem intenções comuns. Oque é uma pena. Tudo poderá até ser um grande equívoco, a começar pela designação. Ou não.

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Mia Couto: Acho importante questionar a ideia da lusofonia. E perceber queoconceitoéplural:existem lusofonias. A ideia da comunidadelusófona é uma construção que corresponde a interesses políticos particulares. Os criadores culturais devem ser capazes de questionar esse modelo único que nos é proposto.

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