PUBLICIDADE

Luis Melo volta ao palco que o consagrou

Com CãoCoisa e a Coisa Homem, o ator retorna ao Teatro Sesc Anchieta, onde ao longo de 11 anos consolidou sua premiada carreira em peças como Paraíso Zona Norte, Vereda da Salvação e Xica da Silva

Por Agencia Estado
Atualização:

Sobre Luis Melo, o rigoroso diretor Antunes Filho já disse - ele é o maior ator do Brasil. Em 1985, o paranaense Melo entrou para o Grupo Macunaíma do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), dirigido por Antunes e mantido pelo Sesc São Paulo, para integrar o elenco da montagem de A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Ficou lá 11 anos e consolidou nesse tempo uma carreira iniciada em 1977, em Curitiba. Lá, realizou atuações inesquecíveis em peças como Xica da Silva, Paraíso Zona Norte, Vereda da Salvação e Trono de Sangue. Mambembe, APCA, Molière, Shell - foram muitos os prêmios ganhos nesta parceria com Antunes, em montagens que invariavelmente estrearam no Sesc Anchieta. Amanhã à noite, para convidados, pela primeira vez desde que saiu do CPT, Melo volta a pisar o palco do Teatro Sesc Anchieta, em São Paulo, desta vez como ator do espetáculo CãoCoisa e a Coisa Homem, primeiro fruto artístico de seu próprio centro de pesquisa, o Ateliê de Criação Teatral (ACT). Dirigida por Aderbal Freire-Filho, também responsável pelo texto final, a montagem é fruto de dois anos de pesquisa em torno da relação entre o homem e o cão, pesquisa realizada por todos os atores e pela equipe de criação - cenógrafo, iluminadores, sonoplastas - que integram o ACT. Cãocoisa chega a São Paulo depois de cumprir temporada em Curitiba, onde recebeu cinco indicações para o Troféu Gralha Azul 2002, que premia anualmente os melhores do teatro paranaense e cujos vencedores só serão conhecidos no dia 16 de dezembro. A estréia paulistana no Sesc Anchieta não é mera coincidência. "Eu insisti muito para que fosse ali", afirma Melo. "Tanto por ser o palco que foi minha casa durante muito tempo como pelo fato de o ACT ser uma idéia que guarda similitude com o CPT no que diz respeito ao exercício diário de teatro, ao tempo de pesquisa para a criação, à idéia de surgimento de um espetáculo como conseqüência de um longo trabalho de investigação." Foi com forte emoção que Melo pisou novamente no palco do Anchieta. "Foi muito estranho. Parecia que o tempo não tinha passado. É uma relação tão emocional que talvez até prejudique minha atuação." Por mais que o ator se torne, a princípio, centro das atenções, CãoCoisa é concretamente - em origem e resultado - fruto de um trabalho coletivo gestado no ACT. O tema, a relação entre homem e cão, partiu de Melo. Mas o material foi sendo colhido em livros, filmes, entrevistas e vivências pessoais por todo o núcleo de atores - além de Melo outros dez estão em cena - e trabalhado diariamente em parceria com a equipe de criação. O cenógrafo Fernando Marés, responsável por cenografia e figurinos, é um desses artistas que acompanharam o projeto durante estes dois anos, estimulando e sendo estimulado pelos atores a cada performance, a cada exercício, aproveitado ou não na montagem final. A atriz e produtora Nena Ione também exerceu papel fundamental na fundação e manutenção do ACT. Por isso, para Melo, mais importante que a repercussão do espetáculo é mesmo a consolidação de um núcleo de pesquisa em Curitiba. CãoCoisa seria, assim, para o ator, a primeira "conseqüência" de um processo permanente de investigação teatral. O trabalho coletivo tornou árdua a atuação do diretor convidado. Ao chegar a Curitiba, durante cinco dias Freire-Filho assistiu às inúmeras performances sobre o tema criadas pelos atores. Sentiu-se perdido. Por pouco tempo. Acabou sendo o responsável pelo batismo do espetáculo que vinha sendo trabalhado sob o título genérico de "O Homem e o Cão". Batismo que já aponta uma idéia dentro do vasto tema. "Aderbal percebeu logo que a coisificação estava presente nessa relação. É uma ansiedade natural do homem essa de codificar, dar nome, rotular. A relação com o desconhecido assusta. É preciso controlar, tomar posse. Ele percebeu que apontava no material trabalhado a capacidade do homem de coisificar tudo, os sentimentos e até outro ser humano." Numa das bem-humoradas cenas do espetáculo - já apresentada no Festival de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, quando o ACT mostrou parte do seu processo de criação -, vários "cães" abandonados apresentam o seu pedigree: uma rápida descrição física de si mesmos e alguns antecedentes familiares. "O público acaba imaginando como falaria de si mesmo caso precisasse ser adotado", comenta Melo. Em outra cena, a dos homens que passeiam com seu cão pelos parques, a solidão é o sentimento que aflora. Numa outra ainda, o cão é sacrificado. "Essa cena faz a gente pensar na possibilidade de optar pela morte quando não se pode mais viver plenamente a vida. No tão discutido direito à eutanásia." Freire-Filho manteve ou recriou no texto final e na sua concepção algo que está na origem da criação do espetáculo. A peça não tem uma historinha com começo, meio e fim. Está estruturada em blocos livres e a união entre eles é feita pelo espectador. "Aderbal não facilitou a leitura para o público", diz Melo. Segundo ele, CãoCoisa é um espetáculo contra a ansiedade de querer entender. É um espetáculo para quem se permite o tempo. "Quando o espectador entra na brincadeira, se permite fazer associações dentro daquela estrutura livre, quase cinematográfica, e, então, entende, faz leituras, cada um de acordo com o seu próprio repertório." No diálogo entre dois seres humanos há sempre uma espécie de couraça, pois a gente teme ser rejeitado, quer ser amado, compreendido. "Já um homem que dialoga com seu cão expõe seus sentimentos sem temor. Está exposto em carne viva", diz Melo. Na relação com o cão, os homens revelam muitos sentimentos - solidão, dependência, medo, coragem, tirania, doçura. O objetivo inicial de Melo era explorar a alma humana através dessa relação particular. "Acho que conseguimos." CãoCoisa e a Coisa Homem. Direção Aderbal Freire-Filho. Amanhã(21), às 20h30, apenas para convidados. Sexta e sábado, às 20h30; domingo, às 19 horas. R$ 20,00. Teatro Sesc Anchieta. Rua Doutor Vila Nova, 245, São Paulo, tel. 3234-3000. Até 22/12.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.