Luis Gusmán vem ao Brasil para lançar "Villa"

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Por Agencia Estado
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Villa é um médico que trabalha para o Ministério do Bem-Estar Social, no período entre a morte do presidente Juan Domingo Perón (1974) e a violência da ditadura militar na Argentina. O medo e subserviência levam-no a colaborar com seqüestros e torturas. Torna-se, portanto, um "mosca", que, no linguajar argentino, é aquele que se transforma no homem de confiança de outro com mais poder. "Ele não quer ser chefe, mas apenas ser o braço direito de um chefe" comenta o escritor Luis Gusmán, autor de Villa (Iluminuras, 208 páginas, R$ 27), livro que ele estará comentando amanhã, em Brasília, e quinta-feira, em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil. Psicanalista de profissão e autor também de O Frasquito, Gusmán calculou a disposição e o pathos de cada personagem para criar uma história seca na narrativa, mas cortante no conteúdo. Antes de viajar para o Brasil, Gusmán conversou com a reportagem. Agência Estado - Escrever "Villa" como uma novela política foi uma opção literária ou o senhor sentia uma necessidade histórica? Luis Gusmán - Foi uma necessidade literária que não excluía a questão histórica, mas tendo no horizonte o cuidado de não cair no que poderíamos chamar de servilismo ao referente. Tomando como modelo, não como performance, A Condição Humana de Malraux, talvez a melhor primeira página da literatura contemporânea, em que o lírico está equilibrado e não há renúncia do político. É possível notar também que praticamente não há interferência do narrador ao longo da história. A narração ocorre até com uma certa frieza. Seria uma forma de evitar uma intervenção ideológica no discurso? Sua pergunta é a minha resposta. É como se você estivesse estado em meu pensamento antes, durante e depois da escrita do romance. O distanciamento tem a função de evitar que a ideologia do narrador se sobrepusesse à dos personagens. A indiferença com que Villa executa suas tarefas faz lembrar um burocrata kafkiano. O que o senhor pensa disso? Na realidade, a indiferença vem de Merseault, ainda que você tenha razão por ser o estranhamento do personagem de Camus menos maquinal que o personagem kafkiano. Talvez a indiferença proteja Villa do terror. O que é raro, pois ele, que vive dentro da máquina do terror, tenha medo dela. É importante também o universo ético de seu romance. Como o senhor vê isso? Sua pergunta é decisiva. É a minha idéia da novela. Parece-me que a literatura argentina está dominada pelo procedimento literário, o gênero e inclusive a trama perderam o que se denomina universo ético. Esse universo que reconhecemos em Conrad e Graham Greene. Villa parece fazer de seu ofício de "mosca" um destino. Seria ele um eterno "mosca"? Cresci e vivi em um bairro da grande Buenos Aires onde ser alguém era ser um ídolo. De preferência, jogador de futebol, cantor ou ator. A política também era uma maneira lateral de se chegar a ser o que também descreve Sartre em seu livro de contos O Muro, especificamente naquele chamado O Chefe. Villa não é sequer o braço direito, é uma sombra. Mas é certo que, de alguma maneira, ser "mosca" é um ofício à parte da estrutura social. É interessante a carga psicológica de cada personagem, todos bem definidos. Como foi esse trabalho? Um trabalho árduo que eu não acreditava ser possível porque temia que a voz do narrador, não a voz narrativa dominaria a trama. Por sorte, creio que os personagens femininos cumprem com essa carga psicológica. Por outro lado, é certo que nesse sentido o arquétipo do burocrata oferece a vantagem do que poderíamos chamar, em termos flaubertianos, "um coração simples". O senhor separa muito demarcadamente seu trabalho de escritor do de psicanalista. Por quê? É verdade. Uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hide. Na realidade, eu separo sim porque muitas vezes o fato de ter me dedicado à psicanálise fez com que certa crítica prejudiciosa encontrasse um conceito psicoanalítico em cada frase. Você sabe, os caçadores de erros existem em todos os lados; uma maneira canibal de banalizar o texto. O senhor teve alguma dificuldade em se decidir entre o ofício de escritor e o de psicanalista? Primeiro me encontrei com a literatura e depois como o personagem da novela Meu Chefe É um Assassino, de Henri de Montherlant, descobri A Introdução da Psicanálise, de Freud, e mudei de vida. Analisando "O Frasquinho" e "Villa", percebe-se uma curiosa evolução no estilo: de um texto mais denso para outro que privilegie as histórias e os personagens. Como isso aconteceu? Aconteceu uma vida. Eu o diria quase biblicamente. Primeiro, detinha a escrita e prescindia da história. Depois, veio a história, a narração. Nos livros posteriores, agreguei os personagens e o ideal seria conseguir uma tensão dramática entre eles. Daí vem minha admiração por Guimarães Rosa, o Maior. Tem escrita, estilo, mito e personagens e inventa um universo próprio. Essa não é sua primeira viagem ao Brasil - já esteve aqui em 1988, quando conseguiu alguma inspiração para suas obras. E agora, pretende buscar informações para um novo trabalho? Gostaria de ir a cemitérios e encontrar uma bibliografia de como funcionam os epitáfios segundo as distintas religiões ou cultos que existem no Brasil: descobrir se a mudança de credo implica necessariamente uma troca na retórica do epitáfio. Em que o senhor está trabalhando no momento? Em uma novela em que o personagem é um marginalizado da estrutura social e trabalhista: um artista da fome. Trata-se de um preparador de peles finas que fica sem emprego, é perseguido pelos movimentos ecológicos, sofre com as mudanças de clima e da moda e por seu inimigo principal, o Greenpeace. Por isso, decide infiltrar-se nesse movimento para entender seu espírito. Rodas de Leitura. Com Luis Gusmán. Quinta, às 18 horas. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. Quinta, a partir das 18 horas.

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