Presa e torturada nos porões da ditadura, Lúcia Murat deu um depoimento emocionante à Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos pelo aparelho repressivo do regime militar. O tema tem aparecido com frequência em sua obra de diretora. O horror que viveu no passado é uma fonte de inspiração. Certas histórias precisam ser contadas para não ser esquecidas. Mas, como Lúcia diz, sua vida e obra não é só isso - "Seria me reduzir, como cidadã e artista".A Memória Que Me Contam, que estreou na sexta, tem a marca da autora, mas, como outros de seus filmes, está longe de ser uma unanimidade. Nelson Rodrigues sentenciava que a unanimidade é burra. A tentativa de agradar ao gosto médio produz, na maioria das vezes, somente a mediocridade. A Memória já passou por festivais nacionais - Brasília e Tiradentes - e vai agora para Moscou, selecionado para o evento que ocorre neste mês. Foi um filme de gestação longa, embora feito de forma rápida.Lúcia queria fazer um filme inspirado na figura de Vera Sílvia Magalhães. As duas estudaram no mesmo colégio, no Rio. Vera já tinha uma militância quando a jovem Lúcia, aos 17 anos, começou a se interessar por política. As brutais torturas produziram sequelas que levaram Vera a sucessivas hospitalizações e à morte, em 2007. O filme sobre ela há muito estava na cabeça de Lúcia, e sempre como ficção. Por mais que a ficção tenha compromisso com a verdade, ela dá mais liberdade que o documentário a quem cria.