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Lucchetti, o rei do Pulp Fiction brasileiro

Com mais de 1.500 livros e prestes a completar 83 anos, autor lança obra

Por Rene Moreira
Atualização:

Quem ouve Rubens Francisco Lucchetti, ou R.F. Lucchetti, falar com desenvoltura de seus projetos para o futuro nem acredita estar de frente a um homem que em janeiro completa 83 anos de idade. Ficcionista, e não escritor, como gosta de dizer, ele conta já ter publicado exatos 1.547 livros e mais de 200 roteiros de HQ. Lucchetti também foi roteirista de 25 filmes, muitos deles do Ivan Cardoso e de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

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Ganhador do Kikito como melhor roteirista do País e parceiro por anos do desenhista italiano Nico Rosso (1910-1981), ele acaba de lançar pela Editora Devaneio, do Rio de Janeiro, uma HQ chamada Fantasmagoria. Este é o primeiro trabalho de uma série, cujo segundo volume já está em produção e se chamará Delírios. Tanto um quanto o outro são formados por contos de horror com textos de Lucchetti e ilustrações do paraibano Emir Ribeiro.

Apesar de escrever todos os dias, o ficcionista conta que o livro que acaba de lançar não é formado por histórias de agora. Fã de Edgard Alan Poe, ele diz ter escrito esses contos ao longo de vários anos, mas que ficaram guardados. Agora foram reunidos por seu filho Marco Aurélio Lucchetti e ganharam os desenhos que acompanham as histórias de mistério e mortes.

R.F. Lucchetti nasceu em Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo, e mora em um casarão no centro de Jardinópolis, também no interior paulista. Com um mobiliário antigo, o imóvel lembra muito os cenários dos contos narrados por ele, que, apesar dos avanços tecnológicos, segue trabalhando na máquina de escrever. Ele fala que está até pensando em comprar um computador no ano que vem, mas não para escrever. “Talvez para pesquisar alguma coisa.”

Em sua casa, o “rei do Pulp Fiction no Brasil”, como ficou conhecido, tem também a maior biblioteca de livros populares do País, de acordo com pesquisa da Fapesp. São mais de 70 mil exemplares entre livros, revistas em quadrinhos e até almanaques de farmácia que ele colecionou ao longo dos anos, hábito que continuou com seu filho.

Lucchetti diz que seu interesse por esse tipo de literatura começou ainda criança, quando morava em São Paulo e gostava de transcrever para o caderno os seriados policiais que ouvia no rádio. Depois disso, se apaixonou de vez pelo mistério ao ler Coração Revelador e Gato Preto, obras de Poe. A partir daí, escreveu seu primeiro conto e mandou para uma gráfica perto de sua casa que acabou por publicá-lo junto a uma coletânea.

A maior parte das publicações de Lucchetti não levaram seu nome, mas sim heterônimos. Mary Shelby, Urbain Laplace e Isadora Highsmith são alguns dos escritores inventados por ele. Além de escrever o livro, ele conta que também criava a suposta biografia do autor, que inclusive tinha personalidade própria. Isadora Highsmith, por exemplo, era uma inglesa de idade avançada e que cultivava flores.

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Indagado se é difícil atrair o leitor para esse tipo de gênero nesta época de tanta violência explícita, Lucchetti diz que isso não muda nada. Ele alega que faz histórias de horror, e não de terror. E explica: “terror é o nosso dia a dia, onde o pai e a mãe jogam o filho de cima do prédio”. Para ele, horror é diferente e necessita de romantismo para ser criado. “O que escrevo não perde a data e não tem a crueldade sem sentido dessa vida da rua.”

Sobre o filme que fez Quentin Tarantino ganhar projeção nas telas e dar popularidade ao termo, Lucchetti diz que aquilo não é Pulp Fiction. “O que chamamos assim não é um gênero, mas vários. Esse tipo de ficção foi muito popularizado pelas revistas antigas que traziam uma capa sensacionalista, mas internamente tinham papel de qualidade inferior para ser vendida a um preço mais baixo”, explica.

Para ele, a obra de Tarantino não tem elementos de Pulp Fiction. “Alguns filmes noir, por exemplo, estão muito mais próximos.” Ele conta que nesse tipo de história a cena se sobrepõe ao enredo, deixando muitas vezes a narrativa até mesmo sem lógica. Isso acontecia porque o roteirista costumava ganhar por linha, então, para baratear o custo da publicação, as ilustrações se sobressaíam.

Questionado se o sucesso hoje dos personagens dos quadrinhos no cinema significa que suas histórias também poderiam ir parar na telona, ele diz que sim. “O cinema não criou nada nos últimos anos e esses heróis que estão rendendo um monte de filmes são antigos.” Para ele, o tipo de história na revista que faz também poderia virar filme, mas o diretor teria de assimilar bem a ideia. “O Ivan Cardoso fazia isso porque conhecia bem de quadrinhos.”

De todo modo, ele diz ter planos para novos roteiros, revistas, livros... “Tenho muito tempo para trabalhar ainda e escrevo porque gosto, todos os dias.”

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