Lucas Mendes: Notícia boa? Boa noite!

Colunista comenta a saturação com notícias ruins nos EUA e a busca dos telejornais por boas notícias.

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Por Lucas Mendes
Atualização:

Notícia boa no fim do telejornal não é novidade. Mesmo no meu tempo de Jornal Nacional havia um empenho para fechar o jornal - o Boa Noite - com uma boa notícia. Hoje elas são cada vez mais raras e preciosas. A imprensa americana levou tantas bordoadas sobre o noticiário econômico negativo e pessimista que algumas redes apelaram para a audiência: "Nos mandem boas notícias. Elas não cabem nos jornais". Em Humboldt , no Kansas, BN, a fábrica de Joe Works perde dinheiro como nunca, mas ele não demitiu nenhum empregado. Fazem ganchos de reboques e o depósito está entulhado de ganchos encalhados. O dono conhece a maioria dos seus empregados há muitos anos, alguns são amigos de infância e não há porque pagá-los para ficar à toa na fábrica. Para não demitir, decidiu investir na cidade. Dezenas de empregados vão para as ruas podar árvores, consertar playgrounds, reconstruir o campo de beisebol, pintar postes, igrejas, tapar buracos. Fazem de tudo e bem. No meio da recessão, Humboldt está pobre, mas mais bonita do que nunca. Em Denver, no Colorado, o dono de um café decidiu que come e bebe quem quer, paga quem pode. O balcão transbordou, mas ele garantiu a oferta e quando a notícia foi ao ar na NBC recebeu 4 mil e-mails e US$ 20 mi em doações num dia. Em Canapolis, na Carolina do Norte, o dono do cinema GEM criou um estímulo semelhante: na quarta-feira, o cinema é de graça. Novecentas pessoas podem entrar sem pagar ou deixar uma contribuição para instituições de caridade. Farmácias em geral não perdem dinheiro nem nas recessões e em Bretown, no Alabama, Danny Cotrell, dono de uma delas, também criou seu programa de estímulo. Deu US$ 16 mil de bônus aos empregados em notas de US$ 2 com duas condições: 15% tinham que ir para alguma caridade. Os outros 85% tinham de ser gastos na cidade. Não podiam ser usados para pagar contas. Brewton está banhada em notas de US$ 2. Bob Langley, de 75 anos, de Atlanta, também foi Boa Noite na rede NBC com seu programa de transporte. No próprio carro ele busca e leva pacientes de câncer para tratamentos nos hospitais. São quase dois mil quilômetros por semana e US$ 800 de gasolina por mês que ele compra com a pensão da mulher que morreu de câncer. Quando fala dela e da ajuda aos doentes parece que vai morrer de felicidade. Diante dos bons resultados da NBC, a rede CBS foi cavar boas notícias nos pequenos jornais americanos, mais avessos a notícias ruins do que os das grandes cidades. A fonte da repórter é a Biblioteca do Congresso, que recebe jornais de todo país. A escola Stanton, no norte da Filadélfia, era famosa pelo mau comportamento dos estudantes e resultados humilhantes em ciências, matemática e inglês. A nova diretora mandou colocar todas as notas nas paredes da escola. Envergonhada, a garotada enfiou a cara nos livros, esqueceu a violência e Stanton está acima do padrão médio das escolas do Estado. E sem violência. Em Long Island, Nova York, a CBS descobriu um grupo de velhos acima de 80 anos, vários beirando 100, com uma fórmula de longevidade e bom humor. O grupo tem nome - Romeu (Retired Old Men Eating Out , Homens Velhos Aposentados que Comem Fora ) - e almoça junto no Shelter Rock Tennis Club. A comida é secundária. O importante são os "zingers" - espetadas - ou, melhor, a gozação. Com famílias distantes, velho americano tende a ficar isolado, deprimido e evita falar dos problemas. No almoço, discutem política e noticias ruins, mas o deboche entre eles é essencial e revigorante. Gozar a miséria do outro substitui qualquer droga. Até Nova York, campeã de malvados como Bernie Madoff, Masters of Universe , derivativos e trocas de créditos podres, tem muta gente boa. Uma lavanderia oferece lavar roupa de graça para desempregado que precisa de terno ou vestido para uma entrevista em busca de emprego. E há o GNN, Good News Network, criado na internet em 97 inspirado na CNN, onde Geri Weis-Corbley tinha trabalhado. No site dela não entra notícia ruim e desde o começo deu audiência, mas, como quase tudo na internet, não deu dinheiro. Em 2003, parou de atualizar o site durante dois anos para trabalhar e pagar as contas. Mesmo paralisado, recebia mil visitas por dia. Em 2005 foi reativado e agora cobra US$ 24 por ano. Uma barganha para quem quer começar - ou terminar - o dia só com boas notícias. Hoje, por exemplo, entre as dez manchetes, temos o aumento de 3.4% na compra de bens duráveis (produtos que duram mais de três anos) e outra sobre uma solução para os morcegos que explodem quando batem nas hélices dos moinhos que geram energia pelo vento. Há um segmento sobre boas notícias que aconteceram no dia há dez anos e alguns clássicos, sempre no site, como "O melhor dia da minha vida foi quando soube que tinha câncer do cérebro". Cansou de boas notícias? Eu cansei. Boa noite. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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