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Lucas Mendes: Lama mais limpa

Colunista conta o caso de dois políticos de Nova York, um, acusado de fraude, o outro , de 'jaguncismo'.

Por Lucas Mendes
Atualização:

Nova York está debaixo da imensa lama de neve, mas nossa sensação é de ar mais puro: num só dia, tivemos dois políticos rumo ao desemprego ou à prisão. Um vereador por "arrudismo" e um senador estadual por "jaguncismo". Uma dose dupla de oxigênio que compensa a agressão da natureza. Nosso Arruda, o vereador Larry Seabrook, não chegou a ser flagrado pelas câmeras recebendo maços de dinheiro, mas recebeu milhões em diferentes fraudes, lavagens e extorsões. São treze indiciamentos que podem levá-lo a prisão por mais de vinte anos. E acredite. Não é como Brasília. Ele vai para a cadeia. O vereador, que tinha 26 anos de carreira política, empregava velhas fórmulas para roubar nosso dinheiro. A mais comum era distribuir milhões para ONGs criadas por ele e dirigidas por parentes e amigos assalariados. Uma parte ia parar na conta do vereador. Abusava das verbas discricionárias sobre as quais os políticos tem muita liberdade de ação. Duas das ONGs tinham conotações étnicas: "The Bronx African-American Chamber of Commerce" e a "The New York African-American Legal and Civic Hall of Fame". Parece que foram escolhidos como deboche da opinião pública e da impunidade. Dos vários abusos do vereador, o mais barato provocou grande indignação e recebeu destaque na imprensa. Numa conta de US$ 7, por um café e uma broa, o político acrescentou o número 17 e cobrou US$ 177 da cidade. Tão infame como a ganância daquele nosso político que saiu de Brasília para participar de uma fraude de milhões no Rio e cobrou a corrida do táxi e a passagem de avião até a cena do crime. Na época das denúncias envolvendo o senador Sarney, a comissão do Senado arquivou quase todas as acusações com o argumento de que eram baseadas em notícias de jornal e, portanto, sem mérito. Jornal não merece crédito. A denúncia que derrubou e vai colocar o vereador na prisão veio de uma matéria do New York Times sobre a adulteração das contas dos aluguéis das ONGs. A investigação da polícia levantou os outros crimes. A queda do senador estadual Hiram Monserrate, por "jaguncismo", vem se arrastando há meses. Foi baseada em imagens de uma câmera de segurança num prédio onde ele aparece arrastando a namorada num saguão. Estava ferida e ele queria levá-la para o hospital. Ela resistia. Queria fugir dele. O casal estava no meio de um bate-boca quando ele quebrou um copo no rosto dela. O corte, profundo, levou trinta e dois pontos e cirurgia plástica. Apesar da pressão dele, a namorada deu queixa na polícia. Depois, por uma pressão ainda inexplicada, retirou a queixa e se recusou a depor contra o namorado. Disse que tinham se reconciliado e que o copo quebrado no rosto foi um acidente, consequência de um tropeção de Hiram. Sem o depoimento dela e sem outras testemunhas, o juiz disse que não podia dar outra sentença além de um "misdemeanor" - delito leve - e que a Constituição estadual o impede de decidir sobre a perda de mandato do acusado. A expulsão foi proposta por uma comissão do próprio Senado, que está sujíssimo com o eleitorado por incompetência e abusos. A maioria corre o risco de perder o emprego na próxima eleição. Ferro no colega. Antes da votação, Hiram Monserrate fez um discurso desafiador e ameaçador. Perdeu por 53 a 8. Mas isto não significa que a carreira dele esteja no final. Os advogados vão para a Justiça com o argumento de que, pela Constituição do Estado, seus colegas não tem direito de expulsá-lo. Correto. E a medida gerou um impasse. Sem Hiram, a maioria democrata agora é de 31 a 30 e, para aprovar qualquer lei, são necessários pelo menos 32 votos. O governador de Nova York logo marcou a data de uma eleição de emergência para a cadeira do senador e Hiram Monserrate anunciou que, se não ganhar na Justiça, vai entrar no páreo para recuperar o mandato. No fim das contas, o eleitorado poderá decidir o futuro do político expulso e talvez até perdoe o senador, mas a Justiça americana e o imposto de renda - no caso do vereador - são implacáveis. Aqui, Arrudas - como o vereador Seabrook e seus asseclas - já estariam planejando seus anos na prisão e um futuro empobrecido pela cobrança dos impostos sonegados, multas e confiscos de bens. A pilha de lama ainda é enorme, mas temos a sensação de que o ar esta mais limpo. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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