Lucas Mendes: Império dos mijões

Colunista conta como Nova York e outros lugares lidam com as pessoas que mijam na rua.

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Por Lucas Mendes
Atualização:

O bloco não foi o maior nem o melhor do carnaval brasileiro, mas a marcha dos mijões cariocas para a delegacia repercutiu no mundo inteiro. Talvez não limpe a cidade, mas limpou um pouco a imagem do Rio. A imprensa abriu alas para as prisões dos que acham que o mundo é o penico deles. Não é uma campanha nova nem nossa. Faxina difícil. O palácio de Versalhes fedia muito mais do que o Rio. Não tinha banheiros para os empoados nobres nas festas noturnas nem para a plebe diurna. Os números 1 e 2 eram liberados nos corredores. A rainha Maria Antonieta tinha pavor do palácio. Ainda princesa, na saída de uma visita à rainha Vitória, ela e outra princesa levaram um despejo de penico - e não era só xixi - que veio dos aposentos da Madame Du Barry. Maria Antonieta nunca conseguiu disciplinar os mijões (e cagões) do palácio. Se refugiava num château/village - Petit Trianon - perto de Versalhes construído para ela, com fartura de banheiros. A primeira vez que fui a Paris na década de 70, a mijação nas ruas era pior do que no Rio ou Nova York, e não era nobre: "São árabes e africanos", explicou meu anfitrião. De lá para cá diminuiu, mas não sei se foi na base da educação, da multa ou repressão, como em Nova York onde, na década de oitenta, muitos imigrantes deixavam suas mensagens nos muros e parques. Multa de US$ 100 e registro na folha policial ajudaram a resolver o problema, mas a cidade ficou famosa - e copiada - com a lei de repressão ao cocô dos cães também na década de 70. Dono de quem suja, limpa. Senão leva multa e bronca dos vizinhos. Ou pior. No Village, um morador indignado recolheu o cocô abandonado e jogou na cabeça do dono do poodle. A agressão foi notícia e a população ficou do lado do agressor. Donos de cães receberam a mensagem. Limpe ou arrisque levar uma cagada. Não é a primeira vez que o xixi brasileiro chega a imprensa internacional. Uma campanha, a "SOS Mata Atlântica", pedia à população para dar uma descarga a menos por dia: "faça pipi no chuveiro" sugeria um anúncio com a informação de que uma descarga a menos economizaria mais de mil litros de água por ano e ajudaria a salvar a floresta. Uma empresa da Califórnia - Mirage Pacific - aproveitou a campanha para promover uma invenção que tirava a "água cinza" usada em um banho de chuveiro para irrigar as plantas do jardim. Não pegou. Pena, porque descarga de cinco litros para um pipi é desperdício. Na academia de ioga aqui perto há um sinal no banheiro: If it is yellow, let it mellow. If it's brown , flush it down (Se for amarelo, deixe estar. Se for marrom, dê descarga). Quando o governo leva a sério, a população aprova a limpeza. A maior delas foi num dos países mais sujos do mundo, Cingapura. Em menos de quatro décadas, se tornou o mais limpo. Na base da prisão, multa e até chicote. Cuspir ou jogar lixo na rua, multa de mais de R$ 1 mil. Se o cuspe vier com chicletes, R$ 3.500. Ano passado mais de 20 mil pessoas foram presas por "sujeira". Menos de 400 eram reincidentes. Pouca gente mija duas vezes fora do penico. Nos Estados Unidos, muitas cidades pequenas reprimem xixi em público com mais rigor do que as grandes. Em Scottsdale, no Arizona, um mijão levou anos para limpar o nome dele de uma infração mictória durante uma noitada. Ele pagou a multa de US$ 139 sem reclamar mas a mancha no currículo foi problema na hora de conseguir emprego. Como era estudante de medicina, ele argumentou com o juiz que os cavalos dos policiais mijavam muito mais nas ruas do que ele, e que 95% da urina, dele ou dos cavalos, é água. Não teve perdão. Na minha adolescência, mijada no muro era parte da noitada, mas a ditadura tentou moralizar. Uma noite, um amigo, advogado, foi flagrado no muro da matriz, a igreja Sao José. Não se abalou quando o Cosme - ou Damião - da dupla disse a ele que era proibido urinar em público. "Eu mijo aqui" , dizia ele virando, "mijo ali, mijo lá, mijo pra cima e mijo até no penico que está na sua cabeça". "Então mija", disse o soldado, colocando o capacete na frente do advogado. O maluco do João mijou. Levou uma tremenda cacetada e voz de prisão. Todo mundo foi parar na delegacia, mas tudo acabou com pedidos de desculpas e abraços. O delegado era amigo. A turma foi comer uma pizza no Maleta e dar uma mijada na rua. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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