Lucas Mendes: Comédia no Senado

Colunista comenta a eleição de um comediante para o Senado dos Estados Unidos.

PUBLICIDADE

Por Lucas Mendes
Atualização:

A safra política do ano está farta de de palhaços, mas agora temos o primeiro comediante no Senado, em Washington. Al Franken, depois de oito meses de contagens, recontagens e batalhas judiciais, ganhou a eleição com uma diferença de 312 votos de mais de 2 milhões e novecentos mil eleitores de Minnesota, meu Estado favorito neste país. Quando vim para uma uma bolsa, morei quase um ano na capital, St Paul, irma gêmea de Minneapolis. Na época, Minnesota era número 1 no país em programas de assistência social e estava em dia com as contas. Já era número um em alunos formados no curso secundário, tinha a maior percentagem de eleitores que votam nas eleições (77%, contra a média de 62% do país ), desde 76 nunca votou num republicano - recorde nacional - e foi o único Estado em que Ronald Reagan perdeu as duas eleições. Tem também um mérito jornalístico: o maior jornal do pais dirigido por estudantes, The Minnesota Daily. O Estado nos deu Judy Garland, Bob Dylan, Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, Garrison Keillor, Eugene McCarthy, William Mayo ( clínica Mayo) , Charles Schultz e uma patota de vanguarda. Na culinária, Minnesota é campeão em arroz selvagem e nos cogumelos morel. Seu apelido mais conhecido é "O Estado dos Dez mil Lagos", mas é também o Estado do "Bread and Butter" , ou do arroz com feijão, de gente com o pé no chão. Entre casais, é recordista em atividade sexual. 3.4 vezes por semana. Nunca vi tanta neve nem passei tanto frio. As vantagens compensam o sofrimento, mas não garantem a sanidade política do Estado. Elegeram Jesse Ventura para governador. O ex-campeão de luta livre foi também um campeão de asneiras políticas. Nem tentou a reeleição. Entre as outras atrações de Minnesota estão os teatros e Al Franken, que fazia comédia desde a escola secundária, se profissionalizou no Dudlley Riigs Brave New World, de Aldous Huxley, especializado em sátiras políticas. Al Franken também passou por Harvard, não como comediante, e saiu diplomado cum laudae. O sucesso nacional veio com o programa humorístico Saturday Night Live, da NBC, como comediante e redator. Foi lá que propôs um sketch sobre o velho jornalista, Andy Rooney, do 60 Minutes, onde estuprava uma bela colega, a também jornalista Leslie Stahl. O quadro foi vetado nos ensaios porque ninguém achou graça, mas quase custou a eleição de Al Franken para o Senado. Foi acusado de machista e canalha, as mulheres exigiram desculpas. Ele se desculpou pelo insulto e pela falta de graça. A carreira dele como comediante passou pelas babaquices, pela política e pelos livros. Três deles lideraram a lista de best sellers, todos contra os conservadores em geral e, em particular, contra os radicais da imprensa: Rush Limbaugh is a Big Fat Idiot and Other Observations; Lies and the Lying Liars Who Tell Them: A Fair and Balanced Look at the Right (foi processado pela Fox e ganhou) e, seu último, há quatro anos, The Truth (With Jokes ). O anedotário de Franken é essencialmente político e não traduz bem porque é muito americano, mas a ferocidade dele contra Bush não precisa de muitas explicações. No começo, ele não foi contra a invasão do Iraque, mas quando surgiram as fabricações e abusos, Al Franken se tornou implacável: "disseram que íamos ser recebidos com doces e flores no Iraque, mas não que eram explosivos". Vá rir dele no YouTube . A vitória de Franken é importante porque dá aos democratas a maioria de 60 a 40 no Senado que impede, pelo menos em tese, a obstrução de votação das propostas de leis pela oposição. Na prática, esta superioridade não garante vitórias para Obama. Democratas conservadores com frequência votam com os republicanos, e dois democratas, Ted Kennedy e Robert Byrd , estão doentes, há vários meses não têm ido ao Senado. Al Franken vai tomar posse na próxima semana, com um prestígio raro para um senador de primeiro mandato. Estará nas comissões do Judiciário e da saúde pública que terão papéis decisivos na confirmação da juíza Sotomayor para o Supremo e na reforma do seguro médico nos Estados Unidos. Para um país na UTI, uma injeção de humor pode fazer a diferença. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.