Lobo Antunes opõe o açoite da morte à luz da infância

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Por VINICIUS JATOBÁ É CRÍTICO e FICCIONISTA
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VINICIUS JATOBÁSôbolos Rios Que Vão é o melhor romance de António Lobo Antunes em quase uma década. Enxuto e ágil, retoma o elo entre a vocação lírica que ele explora com vigor desde A Ordem Natural das Coisas (1992) e a necessidade de organizar esse lirismo em redor de uma trama discernível - algo que Lobo Antunes implodiu a partir de Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura (2000) e que tem prejudicado a legibilidade de seus romances.Para além de todo o charme da escrita que abole a trama, o leitor só pode se tornar cúmplice das emoções de suas personagens se seus conflitos e desejos estiverem organizados de forma a serem apreendidos em essência. Nesse sentido, Sôbolos... é exemplar. António, o narrador, entravado na cama de um hospital após a operação para retirada de um câncer, é oprimido pelo açoite maciço da morte, que se desenha em pequenas sugestões físicas. Resta-lhe evadir para infância, na qual recobra uma longa viagem com seu pai à nascente do Rio Mondego, em cujos leitos deleitou momentos solares.Os contrastes são magníficos: o céu claro e aberto, os espaços amplos da infância; as paredes frias do hospital, o corpo falido e roto, o lucro a conta-gotas de cada novo dia. Mesmo com sua estética narrativa fragmentada e descontínua usual, o solo fértil sobre o qual Lobo Antunes eleva Sôbolos... é patrimônio tão essencial, e estruturado de modo tão delicado e discernível que toca fundo nas experiências dos leitores.SÔBOLOS RIOS QUE VÃOAutor: António Lobo AntunesEditora: Alfaguara(192 págs., R$ 29,90)

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