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Livros resgatam história quase desconhecida da cenografia brasileira

Cenógrafos Helio Eichbauer e J. C. Serroni preenchem lacuna no estudo da área

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

A cenografia brasileira faz sucesso lá fora. Na Quadrienal de Praga – maior evento internacional dedicado à área – o País já foi duas vezes premiado como o melhor do mundo. Apesar do destaque, pouco se sabe sobre essa arte por aqui. Lacuna imensa que dois dos grandes cenógrafos brasileiros ajudam a suprir com o lançamento de seus livros.

Criador do revolucionário cenário do espetáculo O Rei da Vela (1967), Helio Eichbauer escreveu Cartas de Marear (Casa da Palavra). É um olhar afetuoso para seus quase 60 anos de carreira e para os encontros com nomes fundamentais da cultura nacional, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Fernanda Montenegro e José Celso Martinez Corrêa. “É um relato dessa minha viagem e também uma narração do meu método de trabalho”, diz Eichbauer.

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Quem também vem apresentar sua visão sobre esse universo é J. C. Serroni. Discípulo de Flávio Império e responsável pelos cenários e figurinos de Antunes Filho por mais de uma década, o artista traz a público Cenografia Brasileira - Notas de um Cenógrafo (Edições Sesc). “Falta um livro que dê um panorama, que conte a história, que diga quem são as pessoas que trabalharam com isso”, comenta Serroni, que traz um amplo compendio sobre a cenografia brasileira em 392 páginas e quase 400 imagens.

“Mas essa não é nem uma ínfima parte do que é essa história”, ressalva o artista, formado em arquitetura e há mais de 30 anos dedicado a dar forma aos sonhos dos diretores brasileiros. Com um vastíssimo material nas mãos, Serroni não se aprofunda em análises críticas ou elucubrações estéticas. Restrito ao eixo Rio-São Paulo, preocupou-se em documentar o que ocorreu nos palcos, desde o início do século 20 até a atualidade.

Primeiramente, o livro traça um panorama que abrange os precursores da cenografia brasileira – gente que desenhava imensos telões ou pensava na estrutura espacial para as comédias de teatro de Revista. Essa estrutura se altera fundamentalmente a partir de 1943, com a estreia de Vestido de Noiva. Depois disso, o autor detalha o percurso década a década. “Vestido de Noiva não significou apenas um divisor de águas para a dramaturgia ou para a encenação brasileiras. Foi também a primeira vez que a cenografia trazia consigo um conceito, uma verdadeira linguagem”, comenta Serroni a respeito do projeto de Tomás Santa Rosa, que deu concretude aos três planos imaginados por Nelson Rodrigues.

A segunda parte da obra tem estrutura diversa: elege 31 cenógrafos brasileiros e pincela suas trajetórias no formato de verbetes enciclopédicos. O material é precioso e, em muitos casos, inédito. Mas exigiu do pesquisador um longo périplo burocrático. “A documentação é deficiente. Foi muito complicado encontrar as coisas. Mas o mais difícil é conseguir as autorizações de direito de uso de imagem. Foram quase três anos batalhando por isso”, conta.

Se Serroni busca a precisão documental e o olhar panorâmico, o esforço de Helio Eichbauer se deu em direção contrária. Seu Cartas de Marear também narra o que ocorreu no teatro brasileiro no último século. Mas opta por fazê-lo a partir de um viés personalíssimo.

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Com uma estrutura não linear, o criador organiza seu relato em função das viagens que fez. A passagem por Nova York nos anos 1950, durante a efervescência do pós-guerra e o surgimento dos beatniks. A ida para Praga – quando decidiu trocar a Faculdade de Filosofia no Rio pelos ensinamentos do mestre Josef Svoboda. As influências que sofreu quando esteve em Cuba, no México, na Grécia. “São como cartas de navegação desse caminho artístico, com todas as suas descobertas e todos os seus naufrágios também”, considera Eichbauer, que costura seus relatos com uma infinidade de citações literárias, poemas e referências musicais. Até mesmo a ficção encontra seu espaço, concedendo ao autor licença para imaginar diálogos entre personalidades que nunca se conheceram de fato.

Diferenças estilísticas à parte, uma preocupação comum une os dois profissionais: a formação de novas gerações. “Sou de uma época em que não havia escolas no Brasil”, relembra Eichbauer, que dedica parte considerável de seu livro à sua atuação como professor. À frente do curso de cenografia da SP Escola de Teatro, J. C. Serroni também deixa evidente sua vocação pedagógica. “O cenógrafo tem que dominar técnica, saber desenhar, conhecer resistência de materiais, ter em mente a história do teatro”, aponta ele. “O trabalho que estamos fazendo pode de- morar a dar resultados, mas, um dia, eles vão aparecer.”

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