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Livro revela filho secreto de Paulo Leminski

O Bandido Que Sabia Latim (Editora Record), do jornalista Antônio Carlos Martins Vaz é uma biografia que traz uma revelação espantosa, documentos, textos e poemas inéditos do poeta morto precocemente aos 44 anos

Por Agencia Estado
Atualização:

O poeta não só finge a dor que deveras sente, como sentenciou Pessoa, como também esconde mistérios nas entrelinhas de sua vida. Pelo menos no caso do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), esses mistérios podem causar até um rebuliço nas vidas de pelo menos quatro famílias nos próximos dias, quando será publicado o livro O Bandido Que Sabia Latim (Editora Record), do jornalista Antônio Carlos Martins Vaz, ou simplesmente Toninho Vaz, como é mais conhecido. Vaz conheceu Leminski no final dos anos 60, num bar em Curitiba. "Hoje sei que devo a ele a inabalável crença que passei a ter na minha profissão, no meu talento e nas minhas grandezas, já que de coisas tacanhas e tenebrosas eu já estava cheio", conta o autor, que estabeleceu grande amizade com o poeta. O livro traz documentos, textos e poemas inéditos de Leminski, morto precocemente aos 44 anos, de cirrose hepática. Mas a revelação que carrega maior polêmica é a existência de um suposto e secreto filho de Leminski. Do qual nem o próprio autor da biografia, compadre do artista, tinha notícia. Seria fruto de um romance que o poeta teve há 33 anos em Curitiba. O biógrafo encontrou uma certidão de nascimento num cartório do Paraná que mostra que o estudante de direito Luciano Costa foi registrado em 1968 como Paulo Leminski Neto, filho de Paulo Leminski Filho e Neiva Costa. Alguns anos depois, voltou a ser registrado como Luciano, filho de Ivan Costa e Neiva Maria de Souza. Paixões - "Leminski fôra casado anteriormente e vivia numa comunidade hippie com Neiva, que engravidou ao mesmo tempo em que apaixonou-se por outro", diz Antônio Mendes Vaz. O poeta tinha 17 anos e Neiva, 15. "O artista também se apaixonou por outra (a poetisa Alice Ruiz) e o resultado foi que a nenhum dos quatro era conveniente que o menino fosse filho de Leminski", conta. Mas por que razão o próprio Leminski nunca falou disso com ninguém e manteve o segredo até sua morte? "É um mistério" diz o autor. "Embora eu fosse amigo próximo dele, nunca conversamos a respeito deste assunto", conta. Na certidão de nascimento está escrito que o declarante foi o próprio pai, Paulo Leminski. "Apenas um exame de DNA pode tirar as dúvidas" afirma o escritor. Mas o suposto filho de Leminski não está ainda disposto a fazer o tal exame. Vocalista da banda carioca Agente 83, Luciano Costa diz que sua mãe tem outra versão para o fato. "Ela diz que a certidão de nascimento anterior foi tirada por pressão da família do Leminski, com a qual ela vivia e que não aceitava o fato de que ela engravidara de outro homem", conta. Luciano não sabe dizer ainda se está disposto a fazer um exame de DNA para saber se é ou não filho de Leminski. "Acho essa história toda interessante, mas envolve coisas da minha família e, por enquanto, não vou fazer nada a respeito", disse. Embora reconheça alguma semelhança física com o poeta, ele acha que essa história de filho secreto é uma espécie de "lenda" que já corre há algum tempo na terra natal do artista, Curitiba. Mas nem só de controvérsia é feito O Bandido Que Sabia Latim". Toninho Vaz mostra como o artista desafiou cânones da atividade poética para flertar com a cultura pop, o que o levou até a ter uma música (Promessas Demais) incluída na abertura da novela "Paraíso", da Globo, uma parceria com Moraes Moreira cantada por Ney Matogrosso. "Ele sempre esteve determinado a viver de literatura, mesmo que fossem crônicas em jornais ou letras de música", afirma Vaz. "Ninguém pode se sustentar, pagar suas contas de luz, etc, fazendo obras radicais como o Catatau - até porque seria muito redundante para ele". Segundo o biógrafo, a música fascinava particularmente Leminski. Ex-seminarista, ele foi oblato aos 13 anos no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde devorou numerosas obras eruditas em grego e latim. Tradutor prolixo, verteu o Satyricom, de Petrônio, a partir do original em latim. E também obras de Beckett, John Fante, John Lennon e Alfred Jarry. Apesar disso, muita gente ainda considera pouco efetiva a contribuição de Leminski para a poesia brasileira. "Não sou um crítico literário, mas posso ilustrar a questão lembrando que os mais conceituados críticos do País, como Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Boris Schneidermann, Regis Bonvicino, Leila Perrone-Moisés, Antonio Risério e outros, dizem o contrário", rebate Toninho Vaz. O comportamento autodestrutivo do poeta, que bebia compulsivamente no final da vida, não representa para o biógrafo nenhum tormento existencial. "Tinha uma verve poética realmente dilacerante, muito intensa, era um compromisso com a poesia", pondera. E ilustra com um poema-chave de Leminski, um haiku. "Trevas/Que mais pode ler/Um poeta que se preza?". Ainda assim Vaz acredita que a morte dos pais, do filho e do irmão (alcoólatra, que se enforcou num quarto de pensão aos 37 anos) contribuíram para uma certa amargura. Embates - O autor da biografia diz que o livro traça um perfil de Curitiba e das idiossincrasias de uma cidade que acolhia e ao mesmo tempo renegava seu poeta mais destacado. No capítulo "Curitiba, por trás da Neblina", ele tenta mostrar como Leminski via sua cidade e trata dos seus embates com figuras intelectuais de ponta da Terra do Pinhão. "O Paulo, que dizia respeitar o grande artesão de palavras, criticava a ausência de Dalton (Trevisan) da vida cultural da cidade", conta o jornalista. "Assim, ele chamava os leitores do contista de daltônicos, aqueles que escolheram a fórmula ´descolorida´ de leitura". Dalton Trevisan nunca respondeu às provocações. Outro inimigo declarado do poeta era o crítico Wilson Martins, que ele dizia ser o primeiro a divulgar notícias velhas "um sujeito tão ancestral quanto a medicina que receitava sanguessugas". Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba em 24 de agosto de 1944, descendente de poloneses, índios, negros e portugueses. Teve outros três filhos com a segunda mulher, a poetisa Alice Ruiz. Duas meninas e um menino, Miguel, que morreu de leucemia em 1979. A filha mais velha, Áurea, é apresentadora de TV em Curitiba.

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