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Livro revela como fazer da dor do luto uma oportunidade de aprendizagem

‘Quando a Morte Chega em Casa’ reúne série de depoimentos de pessoas que perderam entes queridos e transformam dor em saudade

Por Camila Tuchlinski
Atualização:

Desde pequenina, em São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba, em São Paulo, Teresa Gouvea ouvia histórias que o avô contava sobre mortos que transitavam entre os vivos. Também não era raro se deparar com o ‘anúncio’ de pessoas que morreram nos alto-falantes da cidade.

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Porém, foi na fase adulta que a psicóloga se deparou com duas experiências que a mobilizaram: “A única sobrinha de meu marido, de 18 anos, teve uma bactéria e morreu em menos de uma semana. Anne me contou da imprevisibilidade da morte, de sonhos interrompidos, da vida que acontece agora. A despedida de meu pai também, em setembro de 2020, foi a primeira vez que alguém morreu segurando em minhas mãos”, lembra.

Teresa Gouvea, que é especialista em Luto, Família e Casal, criou o site Laços e Lutos, que tem página no Instagram, para que internautas compartilhem suas experiências sobre a perda de um ente querido. “Nós precisamos do pertencimento, da partilha da dor. Recebo muitas mensagens dizendo que os relatos auxiliam no processo de luto, o quanto compreendem que “não estão errados”, que outras pessoas “sentem o que eles sentem”. Num mundo em que a tristeza precisa ser rápida, a experiência do outro autoriza a nossa dor”, avalia.

A psicóloga Teresa Vera de Sousa Gouvêa, autora do livro 'Quando a morte chega em casa', da editora Summus. Foto: Arquivo pessoal

Essas histórias de acolhimento fazem parte do livro Quando a Morte Chega em Casa, da editora Summus, organizado por Teresa Gouvea e pela psicóloga Karina Okajima Fukumitsu. A publicação revela como fazer da dor uma oportunidade de aprendizagem. São 13 relatos, além dos de Teresa e Karina, como de Ana Lucia Coradazzi, Juliana Martins de Mattos Gonnelli, Maria das Graças Mota Cruz de Assis Figueiredo, Maria Júlia Paes da Silva, Mariana Ferrão, Michelle Bittencourt Braga, Miguel Angelo Boarati, Plínio Cutait, Rafael Stein, Ricardo Gonzalez e Tom Almeida.

“Acredito muito na educação para morte, na troca de depoimentos sobre luto e no compartilhamento do sofrimento existencial, sobretudo, quando precisamos lidar com o inevitável”, ressalta Fukumitsu. A pós-doutora em Psicologia escreveu o capítulo A Morte é a Mãe, o Luto é o Filho. “Mais que um livro que fala sobre morte, esta obra foi organizada para celebrarmos diariamente a vida daquele que ficou, que vive a experiência do luto. A partir dele, convidamos o leitor a se dar oportunidades para desenvolver modalidades de enfrentamento, para perseverar apesar do cansaço e para conquistar dignidade suficiente para continuar sua existência“, enfatiza.

Cada pessoa reage ao luto de um jeito, mas ritualizar a despedida é dar um significado para as passagens. “Isso têm uma função social: possibilita a expressão do nosso sofrimento, a partilha das memórias, o amparo, o suporte, inclusive, nos auxilia a lidar com esse novo papel. A não possibilidade das despedidas desorganiza, nos deixa sós, fato que ocorre, por exemplo, nas mortes por covid-19, onde não podemos ver a pessoa querida, velar, receber um abraço”, explica Teresa Gouvea.

Na experiência empírica da clínica, a psicóloga conta que os pacientes que passam por essa situação falam sobre a falta, o tempo e a solidão do luto. “A morte traz dor, amamos e sentimos falta do que “some” de nossas vistas – o olhar, o cheiro, a voz, os passos pela casa – sentimos falta de quem éramos ao lado desse amor. O enlutado vem em busca de um espaço para acolhimento, para falar, falar e falar. Um lugar para se acostumar com a falta e ficar com a saudade”, afirma.

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Como diria a canção De São Paulo à Belém, imortalizada na voz da dupla Rionegro e Solimões, “asaudade é um prego, coração é um martelo/ fere o peito e doí na alma, e vai virando um flagelo”. O que fazer com a saudade que, por vezes, nos deixa com essa sensação de vazio? “Dias de choro, dias de riso... alguém que amamos morre, precisamos que fique, o único meio disso acontecer é a saudade. Sem ela é o esquecimento. Sem ela é outra morte. E como alguém que eu amo continua? Em tudo que me ofereceu, nas falas, nos sabores, músicas e fotografias, continua no amor que não finda com a morte”, conclui Teresa Gouvea.

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