Livro revela a geografia que há nos romances

O italiano Franco Moretti lança em São Paulo seu Atlas do Romance Europeu. O autor combina crítica literária com geografia, uma tarefa não muito explorada pelos pesquisadores da área

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Por Agencia Estado
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Um dos mapas de Atlas do Romance Europeu, do italiano Franco Moretti, que é lançado hoje em São Paulo, traz a trajetória percorrida por personagens na África em obras de autores de língua inglesa e francesa, entre as quais O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. O título do mapa é Romances Coloniais e a linha mais impressionante é a de Cinco Semanas num Balão, de Júlio Verne - ela atravessa a África sem desvio, volta, retorno. Todas as outras linhas dessa carta geográfica seguem esse padrão, bastante diferente das rotas que Moretti traçou a partir de enredos de outros gêneros de romance (de formação, picarescos, sentimentais britânicos, por exemplo). "Os romances coloniais não têm bifurcações", escreve Moretti. "Tampouco tabernas bem iluminadas, ou oficiais brilhantes, ou castelos pitorescos, que possam induzir alguém a desviar do caminho prescrito." Nessas histórias, continua, "há apenas um movimento linear: para diante ou para trás". As histórias são assim, mostra três páginas adiante, apesar de existir na África redes inter-regionais de comércio. O "romance colonial" ignorou essas rotas, que (ele cita um estudo de geografia econômica) também foram "arrebentadas" com a expansão capitalista. Moretti combina crítica literária com geografia, uma tarefa não muito explorada pelos pesquisadores da área. A partir de uma sugestão do clássico de Fernand Braudel em Mediterrâneo, Moretti iniciou um projeto de elaboração de um grande atlas geográfico da arte européia, com vários outros colaboradores, o que acabou não vingando. Resolveu, então, preparar um na sua área, a literatura, que resultou no livro. "Todo romance tem uma geografia, que não vemos, mas sentimos", explica. "O romance de pequenas vilas, por exemplo, segue uma forma circular, o que só fica claro quando a colocamos num mapa." Moretti defende que a análise geográfica deve ser incorporada à análise do romance, para ampliar as possibilidades de estudo da literatura. Mas não só: acha que os críticos literários devem incorporar também a estatística, entre outras disciplinas, e a começar a trabalhar em grupo, como fizeram os historiadores. "Acho que a crítica literária perdeu o contato com as ciências da natureza e da sociedade. É hora de abrir a janela e deixar entrar o ar das ciências do século 19", diz. Mas, em pleno século 21? Ele ri da pergunta e responde: "Um passo de cada vez." No método de Moretti, primeiro vem o mapa, depois a análise. "A partir do que vemos, é possível notar uma ordem que não se imaginava", diz. Moretti estuda uma série de obras da literatura inglesa - é professor da disciplina em Stanford - e mostra, por exemplo, que, nos seis romances de Jane Austen que pôs no mapa (Abadia de Northanger, Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Mansfield Park, Emma e Persuasion), os enredos "excluem" a Irlanda, a Escócia, o País de Gales e mesmo a Cornualha. "Temos aqui uma Inglaterra muito mais antiga celebrada pelos ´poemas de propriedade´ da poesia topográfica: colinas, parques, casas de campo." A geografia literária, assim, mostra o que há e o que não há nessas obras. Atlas do Romance Europeu - 1800-1900. De Franco Moretti. Boitempo (216 págs., R$ 39). Lançamento hoje, às 19h, na Livraria Boa Vista. Av. Faria Lima, 2.007, tel.: 3031-4158

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