Livro resgata poética de Euclides da Cunha

Apenas 37 poemas compunham a "Obra Completa" do autor de Os Sertões, mas uma pesquisa recente aumenta este número para 134, e será tema da semana euclidiana, neste sábado, em São José do Rio Pardo

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Por Agencia Estado
Atualização:

Até hoje, a edição das obras completas de Euclides da Cunha (1866-1909), publicada pela Nova Aguilar, conta com 37 poemas. Mas o número de poesias conhecidas do autor de Os Sertões deve, ainda este ano, crescer em quase uma centena, chegando a 134. A edição de todos esses poemas é resultado do trabalho de três pesquisadores: Leopoldo Bernucci, que dirige o Departamento de Literatura Brasileira na Universidade de Austin (Texas) e que lançou neste ano uma versão anotada de Os Sertões, Francisco Foot Hardman, professor de História da Unicamp, e Frederic Amory, professor da Universidade de São Francisco (Califórnia). Há três anos, eles trabalham no projeto. A aproximação se deu em São José do Rio Pardo, quando os três se viram procurando pela edição do Ondas, caderno de poesias produzidas por Euclides no fim da adolescência e nunca publicado na íntegra. Hardman sugeriu, então, que, além do caderno, seria possível e interessante fazer um levantamento da poesia que Euclides publicou, ao longo da vida, em jornais e revistas, e também deixada em manuscritos guardados em diversos arquivos do País, inclusive em uma coleção particular. As pesquisas foram realizadas, especialmente, nos papéis da Biblioteca Nacional, da Academia Brasileira de Letras e do Grêmio Euclides da Cunha. Neste sábado, às 15 horas, Hardman e Bernucci participam, em São José do Rio Pardo, de uma mesa-redonda, com o professor da Universidade de São Paulo Valentim Faccioli, sobre a poesia reunida de Euclides da Cunha. O evento faz parte da Semana Euclidiana, evento que ocorre todos os anos na cidade em que o escritor escreveu a maior parte de Os Sertões e que segue com sua programação até quinta-feira. ?Os poemas de Euclides não são uma mera curiosidade?, diz Hardman. ?Ele, como muitos escritores brasileiros, padece do mal da obra-prima que ofusca o resto de sua obra.? Hardman ainda completa que ?só no Brasil um autor canônico como Euclides, talvez o mais canônico da literatura brasileira, depois de quase um século de sua morte ainda tem boa parte da obra não editada?. A poesia de Euclides está profundamente ligada ao romantismo. Entre os autores brasileiros que cita, estão Castro Alves, Fagundes Varella e Gonçalves Dias. O francês Victor Hugo também é uma referência obrigatória para ele (uma filiação que nunca abandonará). Um dos poemas do caderno Ondas, por exemplo, intitula-se No Túmulo de um Inglês e termina assim: ?És bem feliz ? assim antes eu fora!../ Tu tens a calma eterna, a solidão sonora/ E tu não tens ? feliz ? não tens ? teu coração...? O caderno Ondas contribui com a maior parte dos poemas. Da sua feitura até hoje, é possível que algumas poucas de suas páginas tenham-se perdido. O certo é que ele tem, atualmente, 76 poemas, mais 12 notas. De forma dispersa, foram encontrados mais 58 poemas, dois quais 14 têm formas variantes. Segundo Bernucci, a publicação das poesias de Euclides e dessas variantes é importante também porque mostra sua persistência em lapidar sua literatura. ?É conhecido o fato de ele ser obsessivo com Os Sertões, corrigindo as três primeiras edições e fazendo alterações substanciais?, explica Bernucci. ?A totalidade de seus poemas revela que sua poesia não era apenas de inspiração, ele é um poeta romântico que também lapida suas obras.? Por meio das correções e variantes, é possível também acompanhar o processo de escritura dos poemas, como decidia mudar as frases, mudar o vocabulário.? Os poemas do caderno Ondas foram escritos entre 1883 e 1884, quando Euclides tinha entre 16 e 17 anos. No caderno, também é possível encontrar uma série de cálculos e exercícios matemáticos que o futuro engenheiro praticava. ?A rigor, os primeiros textos de autoria comprovada de Euclides são poemas?, diz Hardman. Na opinião de Bernucci, esses poemas não foram publicados pelo autor devido a mais uma característica conhecida de Euclides: seu feroz juízo crítico em relação à própria obra. No começo do caderno, por exemplo, encontra-se a seguinte anotação: ?Eu tinha 15 anos. Contém, pois, a tua ironia, quem quer que sejas...? Euclides não apenas ?pede desculpas? ao leitor como mente, para menos, a sua idade (no mesmo caderno, ainda há uma anotação em que ele indica ter 14 anos e diz que esta é uma ?observação fundamental? para explicar a ?série de absurdos? contidas naquelas páginas). Apesar da forte autocrítica, Euclides nunca deixou de escrever poesia. Os poemas dispersos dele foram produzidos entre 1885, quando ele tinha 19 anos, até 1906. Bernucci também lembra que o uso da poesia e de formas poéticas percorre toda a produção de Euclides. ?Guilherme de Almeida Prado foi o primeiro a dizer que a estrutura de Os Sertões era eivada de poesia; e, recentemente, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos mostraram como há, inclusive, trechos que podem ser lidos como versos alexandrinos.?

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