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Livro relata batalha contra tirania da tradição japonesa

Memórias de Um Anarquista Japonês traz o relato do pacifista Osugi Sakae, que morreu em 1923 após dedicar sua vida a combater a rigidez moral do país

Por Agencia Estado
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Somente um ex-presidiário sabe saborear o arroz japonês em sua plenitude, escreve o militante pacifista Osugi Sakae (1825-1923), em Memórias de Um Anarquista Japonês. Sakae foi o anti-Mishima, no sentido de que lutou contra a tirania da tradição, ao passo que Yukio Mishima matou-se pela honra da tradição. Herói que amava as greves mais pelo seu senso de solidariedade do que pelas vitórias sindicais, precursor das liberdades sexuais que desafiou a rigidez da disciplina militar, Osugi afrontou séculos de dominação comportamental (familiar e social), no início do século 20. Morreu pela audácia. Poucos autores conseguiram relatar esse tipo de conflito com sucesso. No cinema, a opressão pela honra do velho Japão aparece com maestria em A Ponte do Rio Kwai e em Furyo. Na literatura, com certeza, um esforço bem-sucedido é o da escritora belga Amélie Nothomb, com o seu livro Medo e Submissão. Já Osugi deixou escritos autobiográficos que são relatos precisos. O primeiro foi publicado em 1919, Vida na Prisão (Gokuchuki). Essas memórias anarquistas apareceram pela primeira vez numa série de textos na revista Kaizo, entre setembro de 1921 e janeiro de 1922. Com um relato em ordem cronológica, um pouco maçante, sem senso poético, Osugi legou para a posteridade mais um elemento de natureza sociológica do que um texto de autosuficiência artística. Nisso, Mishima foi infinitamente superior. Em Memórias de um Anarquista Japonês (o título já parece um contra-senso, por que pouco se ouviu de que tivesse existido algum anarquista japonês), Osugi conta os problemas que teve com o pai, comandante militar, revela os amores proibidos, os problemas com as diversas escolas que freqüentou, as prisões que freqüentou. Osugi enfrentou a ordem estabelecida num tempo particularmente conturbado. Tentou tornar-se um correspondente de guerra para não ceder à sanha militarista e, como disse, escrever coisas como "Quão fascinante é a visão das flores da humanidade caindo neste mundo" - citando verso de Shioi Uko. O relato de Osugi é extremamente realista, e surpreende pela atitude de flamboyant com que encara qualquer parada, seja caçando grilos em Taihoji ou passeando nos corredores da cadeia com o assassino Noguchi Osaburo, que matou um garoto de 12 anos em 1902 e aguardava execução. Talvez esperássemos que pudesse ser uma história pouco menos comportadinha, já que se tratava de um anarquista, mas é assim que é. A edição brasileira da Conrad tem um ou outro pequeno deslize. Um deles é a omissão do nome do autor do prefácio e tradutor do livro para o inglês, o americano Byron K. Marshall, professor de História do Japão na Universidade de Minnesota. Memórias de um Anarquista Japonês. (Conrad, 181 págs., R$ 30). Autobiografia de Osugi Sakae.

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