Livro registra trajetória de Artur Barrio

Artista indicado ao Prêmio Multicultural Estadão lança uma monografia que faz pela primeira vez um registro completo de sua carreira. Para marcar o lançamento, ele realiza trabalhos especiais em quatro cidades do País, começando por Recife

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Por Agencia Estado
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O próprio Artur Barrio se define como um misantropo. As badalações típicas do circuito de arte não lhe agradam e ele confessa que o que mais lhe deixa temeroso em relação à indicação para o Prêmio Multicultural Estadão é a reunião que será feita em São Paulo, no dia da premiação. Talvez isso explique em parte sua relação um tanto quanto inconstante com o mercado e o público, passando momentos bastante retraídos, de afastamento. No entanto, não é o que se vê neste momento. Mal começado o século, o artista nascido em Portugal e que vive no Rio há quase 47 anos, já realizou uma importante retrospectiva de sua obra (em 2000), participou este ano da 10.ª Documenta de Kassel, considerado o mais importante evento de arte contemporânea do mundo, e está prestes a lançar uma alentada monografia sobre seu trabalho, com vários textos críticos e que pela primeira vez faz um registro completo de sua carreira. Para marcar o lançamento ele realizada trabalhos especiais em quatro capitais do País. Na quinta-feira será a vez do Recife (no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães); dia 13 ocorrerá o lançamento em Brasília (Espaço Contemporâneo Venâncio); dia 23 em São Paulo (Pinacoteca) e, por último no Rio (MAM). Em todos esses espaços, Barrio realizará versões distintas de sua obra Minha Cabeça Está Vazia/Meus Olhos Estão Cheios. Questionando mais uma vez os velhos paradigmas da arte, ele parte de um círculo contendo diferentes materiais, como pó de xaxim e saibro, e recria totalmente o espaço. "Somem os círculos, some a ordem", explica ele, confirmando na prática a luta constante pela liberdade que sempre pautou suas ações. Outra questão vital de sua produção presente nesse trabalho é sua escolha preferêncial por materiais perecíveis, pelo caráter inacabado das coisas, Barrio calcula que 80% de seus trabalhos se perdem, restando apenas o registro. Essa ausência de materialidade é uma de suas maneiras de provocar o público, tanto que é inevitável que as pessoas perguntem o que acontecerá com trabalhos como o livro de carne, sem se darem conta de que é exatamente sobre a perecibilidade do material, a provocação do gesto e o questionamento dos sentidos que repousa a investigação de Barrio. Apesar (ou talvez por causa) de sua timidez, seu trabalho grita desaforos a torto e a direito. Talvez não de maneira tão direta e intensa quanto durante a ditadura militar, quando criou suas trouxas de sangue. O fato de ter começado sua carreira política em meio a intensa necessidade de contestação política marcou toda a geração de Barrio. Inicialmente, ele começou a estudar economia, mas abandonou o curso e acabou optando pela escola de belas-artes. "Comecei em 1968, um ano quente, e durante muito tempo a teoria me atraiu mais do que a prática", conta. A crítica ao establishment cultural e a provocação do público por vezes é mais sutil, mas também é contundente. "Quem se depara com as caóticas instalações (ou intervenções, uma palavra mais antiga, que o agrada mais) pode pensar que não há sentido naquilo tudo. Mas o sentido está exatamente na desordem. Minha idéia sempre foi romper os limites, abrir novos campos de reflexão. É a minha maneira de ser", resume ele. Recentemente, quando esteve na Documenta de Kassel, Artur Barrio se viu envolvido numa antiga polêmica acerca de sua nacionalidade: afinal, é um artista português ou brasileiro? Dizendo que essa discussão interessa apenas aos curadores que iniciaram o debate, ele se diz artista do mundo. "Deixem o Brasil e Portugal resolverem isso enquanto eu resolvo o meu trabalho", conclui.

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