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Livro reconstitui origens do romance

Por Agencia Estado
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Murasaki recebe uma carta de Chifuru, que pede à amiga que transcreva algumas histórias inventadas por ela. Assim a antropóloga norte-americana Liza Dalby imaginou o início da trama que deu origem ao livro A Lenda de Genji (ou O Conto de Genji, dependendo da tradução), cujos fragmentos hoje podem ser considerados o primeiro romance deixado pela experiência literária da humanidade. Parafraseando sua personagem e escritora inspiradora, Dalby deu ao romance, sua primeira experiência no ramo da ficção, o nome de A Lenda de Murasaki (460 págs., R$ 39,90), que é lançado agora no Brasil pela Objetiva. Dalby é uma antropóloga especializada na cultura japonesa. Escreveu um trabalho sobre o significado dos quimonos e, em 1983, publicou um livro sobre gueixas. Na pesquisa para escrever sua tese de doutoramento em Stanford, pôs em prática o método de observar participando: tornou-se uma gueixa, e é apresentada pela editora como a única ocidental a tê-lo feito (a orelha da edição brasileira de A Lenda de Murasaki trás uma imagem de Dalby devidamente paramentada com a informação de que ela assessora o cineasta Steven Spielberg numa adaptação de Memórias de uma Gueixa, de Arthur Golden). "Mas Gueixa era um livro de não-ficção", explica Dalby em entrevista por e-mail. "Meu objetivo ao tomar parte na comunidade das gueixas era sentir como elas se colocavam dentro da sociedade japonesa." Nos Estados Unidos, o estudo do universo nipônico tem longa tradição. Um dos mais bem-sucedidos trabalhos antropológicos sobre o tema é O Crisântemo e a Espada (Perspectiva), da antropóloga culturalista Ruth Benedict. Ela, que estuda os códigos éticos da sociedade japonesa, no entanto, baseou-se em escritos e relatos de imigrantes que viviam nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Não podia ir até lá por causa da mesma guerra. Apesar de A Lenda de Murasaki se enquadrar na lista de livros de ficção, a obra guarda algumas características de um trabalho científico. Nas três primeiras páginas, apresenta mapas e plantas, que ajudarão os leitores a localizar seus personagens. Em seguida, no prefácio, Dalby estabelece os critérios que utilizou na construção do texto. Explica que conto (monogatari) quer dizer história - "literalmente, contar coisas". "Juntei o fragmento histórico, e existente, da vida dela a uma reminiscência imaginária, tanto quanto seria possível colocarmos os fragmentos originais num vaso de argila moderno - numa espécie de arqueologia literária." Na entrevista, logo de início, Dalby adverte: "Não há qualquer conecção entre as gueixas e Murasaki Shikibu, pois a escritora viveu no século 11, cerca de 500 anos antes do surgimento delas." Portanto, diz, a pesquisa sobre as gueixas não foi importante para que ela escrevesse o romance. É uma informação que o leitor tem o direito de relativizar, uma vez que o estudo fez parte do processo de mergulho na cultura da mulher japonesa, embora em épocas muito diferentes. A autora afirma que foi seduzida pela história de Murasaki ainda adolescente, quando leu A Lenda de Genji, um clássico da literatura oriental. "Senti-me transportada para o elegante ambiente da corte japonesa que ela evoca", conta. Dalby também usa outras obras tradicionais da literatura nipônica para compor o livro, como O Livro de Cabeceira, transformado em filme por Peter Greenaway. Escrevendo em primeira pessoa, como se fosse, inicialmente, uma filha de Murasaki, e, depois, como a própria, Dalby diz que achou muito difícil seguir o caminho da ficção e, especialmente, encontrar uma voz para seus personagens. "Mas acho que o romance só surgiu quando me obriguei a fazer isso", diz. A tarefa de reconstituir a época a partir de fragmentos escassos deixados pelo tempo e o uso da ficção obrigaram Dalby, em suas palavras, "a ouvir a voz de seus personagens" - e deixá-los conduzir a história. Um dos seus objetivos, conta, foi tentar transformar Murasaki numa figura viva, muito mais que num ídolo. Em outras palavras, buscou dar à escritora uma humanidade que o título de "princesa da literatura", como é conhecida no Japão, acaba por tirar.

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