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Livro mitifica Jovem Guarda

Por Agencia Estado
Atualização:

Variando o repertório entre versões infames para músicas dos Beatles, ou covers - regravações obedecendo aos padrões do original - de músicas dos Beatles, dos roqueiros e bluesmen norte-americanos, dos baladistas italianos e de alguns franceses floresceu a jovem guarda. Seus integrantes, salvo raras excessões, chamavam-se Clevers, Bubbles, Fevers, Youngsters, Ronnies, Jerrys, Tonys, Eds, Silvery Boys, Blue Caps, Roberts - quando os próprios nomes não eram covers, como no caso dos Brazilian Bitles (sic) ou de Prini Lorez, ex-Galli Jr., née José Gigliardi Jr., que requentava sucessos de Trini Lopez. A história dessa turma, das origens, nos anos 50, até o auge, em meados da década seguinte, é o assunto de Jovem Guarda - Em Ritmo de Aventura, de Marcelo Fróes, volume da coleção Todos os Cantos (Editora 34, 290 páginas, R$ 25,00). O autor é produtor musical e jornalista e vem pesquisando o assunto desde o início da década. Sua intenção declarada foi, desde o começo, a de contar, detalhadamente, a história de um fenômeno de imensa importância - mercadológica, sim, e musical, também. Como historiador, entretanto, Marcelo Fróes mantém distância muito fria do objeto de estudo. Não propõe análises, interpretações de ordem política, comportamental ou qualquer outra (quando, e muito raramente, opina, é porque parece gostar - adjetivos elogiosos para The Jordans, Renato e seus Blue Caps e outros tantos). Esse distanciamento dá em equívocos de avaliação. Por exemplo, os empresários e produtores dos discos e programas de rádio e televisão da turma, como Carlos Imperial ou Antônio Aguillar, entram na história como coadjuvantes, quando foram personagens centrais. Carlos Imperial é chamado de "agitador cultural", mas era um comerciante sem nenhum escrúpulo que, por acaso, lidava com artistas. Especificamente, com um tipo de artista que se deixava moldar de acordo com a visão comercial do condutor. As gravadoras - pense-se nas grandes multinacionais do disco - parecem ter papel passivo na "onda jovem" que cevaram. A história do tal do rock brasileiro, também chamado iê-iê-iê, que teve como epicentro o núcleo da jovem guarda, é uma história de dominação econômica, uma questão crucial de perda de identidade cultural - mas esses aspectos não interessam a Marcelo Fróes. Sua preocupação é cronológica; guiam-no os números de discos vendidos (Roberto Carlos chegou a bater os Beatles, em 1964) e a ordem de entrada em cena dos personagens. Por conta do quê, acumulam-se os equívocos. A Revista do Rádio, publicação de fofocas sobre ídolos radiofônicos, é chamada de "na época, nosso principal veículo de comunicação" - o autor está falando de 1955. Seria como dizer que o principal veículo de comunicação de hoje é a revista Caras, já que vende muito. Marcelo Fróes diz que, nos primeiros tempos do rock brasileiro, a má qualidade das gravações conturbou o "desenvolvimento do legítimo rock no País". Legítimo? É como dizer que a qualidade dos alambiques "conturba" a fabricação do legítimo uísque no Paraguai. O pior equívoco, entretanto, é o de dar à música feita por aqueles jovens roqueiros que queriam ser tudo, menos brasileiros (e as razões para isso já foram objetos de muitas e pertinentes análises), a exclusividadede de ser a "música jovem" - como se todas as outras fossem música velha, ou música de velhos, o que é só publicidade. A bossa nova e outros movimentos são contemporâneos da jovem guarda, feita por jovens, não os mesmos jovens, no entanto jovens - Chico Buarque começou antes dos 20 anos, Nara Leão era adolescente quando estreou, Maria Bethânia era menor de idade quando subiu ao palco do Teatro Opinião para cantar o Carcará. "Música jovem" foi um rótulo criado pela indústria para vender um estilo de vida, não só no Brasil. A Argentina teve sua jovem guarda - com outro nome: o Club del Clan reunia Johnny Tedesco, Rocky Pontoni, Nicky Jones, Lolly Land. Como aqui, eram Johnnys, Rockys, Nickys, Lollys. O núcleo do Club chamava a si mesmo de Los Red Caps. Também eles copiavam os bluesmen, os italianos, os franceses - só que falando espanhol. E, eventualmente, importando brasileiros, que passavam a falar espanhol, como conta Marcelo Fróes em seu livro. O qual vale, e é importante, nesse sentido, como um catálogo. Afinal, se não houvesse a jovem guarda, talvez Caetano Veloso e Gilberto Gil levassem um pouco mais de tempo para urdir a ruptura tropicalista. Talvez. Mais do que isso, muito pouco. A jovem guarda deixou alguns talentos inegáveis - Roberto Carlos e Erasmo Carlos à frente de todos. Os outros recolheram-se, com o tempo, à insignificância. Ou voltaram às origens - Eduardo Araújo ao romântico brega, Sérgio Reis ao sertanejo, Jerry Adriani à canção italiana. Mas Marcelo Fróes chama Martinha de "compositora de mão cheia e exímia pianista" que, afastando-se do palco, compôs músicas de sucesso internacional. Uma novidade. O livro, em todo caso, conta histórias interessantes do bastidor da indústria fonográfica - de namoros entre músicos (ênfase para o affair de Netinho, dos Fevers, com a também "jovem" italiana Rita Pavone) e lembra que Carlos Lyra, antes de chegar à bossa nova, tocava num grupinho de rock. Assim como Sérgio Reis tentou a bossa nova - e Roberto Carlos também, levado por Carlos Imperial ao núcleo da bossa. Não deu certo. Imperial levou o pupilo para outra praia, onde venceu. São fatos, sem acompanhamento reflexivo - uma chance desperdiçada. O livro acrescenta um índice dos artistas que participaram do movimento com menor destaque e traz um curioso "como ficaram" - onde andam, hoje, aqueles heróis da indústria. Bem, a indústria continua fabricando heróis de vida rápida. Em Ritmo de Aventura serve para fazer lembrar que o canibalismo começou ali.

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