O personagem Jeremias, o Bom nasceu em 1965, como tiras nas páginas do Jornal do Brasil pelas mãos do cartunista Ziraldo. A história de Jeremias é tão intensa quanto curta: a figura que marcou época morreu em 1969, após ser publicada nas páginas da revista O Cruzeiro em um dos períodos mais duros da ditadura militar. No início, toda a bondade de Jeremias funcionava como uma crítica dos costumes da época, depois o alvo da pena ferina do desenhista passou a ser a política nacional. Essas histórias foram reunidas em livro, Jeremias, o Bom (Melhoramentos, 144 págs., R$ 39), e acaba de chegar às livrarias. Uma figura de terno escuro e sempre impecável, sapato engraxado e brilhante. Sua elegância se traduz no comportamento: Jeremias é sempre polido com todos, cuidadoso ao extremo, tanto que ao nascer tomou cuidado para que sua mãe não sentisse nenhuma dor. Ele não é um Dom Quixote, que termina maluco, nem um santo. É um homem comum, de classe média, espremido entre o luxo e a miséria, alguém que quer fazer o bem sem chamar a atenção para si, sem estardalhaço. Ele é aquele cara que sempre vai para o gol, para evitar discussões. Ou mesmo de tanto comprar dropes de crianças nas ruas - Jeremias seria incapaz de fechar o vidro ou ignorar um apelo de um menino pobre -, acabou tornando-se diabético. Chega ao cúmulo de ter sua residência assaltada e sua reação inesperada é fazer o miserável do ladrão jantar. Um alerta ou uma cutucada sobre questões tão comuns no cotidiano brasileiro. Tiras saíram no JB de 1965 a 69 Com o passar dos anos a crítica vai ser tornando mais apimentada. Como na tira em que uma grande roda se forma em volta de Jeremias. Todos o saúdam. Ele, constrangido, sem entender direito o que se passa, aceita os cumprimentos. Dois senhores ao lado comentam: "Espalharam que é ele que vai redigir a nova constituição." Em dado momento, alguém anuncia uma nova lei de imprensa. Jeremias recorta os jornais, com toda a boa vontade, tentando descobrir uma nova função para os impressos. Em outro momento, Ziraldo desabafa: "Os bons não ficam alheios ao que está se passando à sua volta. Só que reagem de maneira muito especial. (...) A Guerra do Vietnã e o contraponto da Guerra do Oriente Médio, os transplantes de coração, a obsessiva preocupação do controle internacional da natalidade, o carnaval, o Dia das Mães, o Dia dos Pais, os eventos políticos de nosso tempo, tudo, enfim, que compõe cada dia da nossa vida neste mundo, que gira enquanto a Lusitana roda, é registrado mais pelo coração do que pela razão do nosso homem bom." Jeremias, o Bom continua atual e vale a pena ser lido pela geração do século 21. O tão querido personagem ganhou uma homenagem extra. Um bar com o seu nome na Rua Avanhandava, n.º 37, no centro de São Paulo. As paredes do bar ganharam decoração especial, repleta de desenhos originais de vários cartunistas brasileiros vivos.