Livro dá vez ao barroco paulista

Arte Sacra Colonial, organizado por Percival Tirapeli, reúne vários estudiosos em torno dos múltiplos significados da produção cultural do período

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Por Agencia Estado
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O livro Arte Sacra Colonial, publicado pela Editora Unesp em parceria com a Imprensa Oficial (288 pág., R$ 70), é um instrumento fundamental para todos aqueles que quiserem saber um pouco mais sobre a história da arte barroca brasileira, principalmente no que se refere a São Paulo, região normalmente ignorada quando o tema é esse - já que todos os olhos se voltam às Minas Gerais, Bahia e Pernambuco ao se falar da arte produzida no Brasil colônia. A publicação faz parte de um projeto bem mais amplo, o Barroco Memória Viva, que desde 1989 se propõe a estudar e divulgar essa expressão artística e cultural, mas que só agora ganha uma publicação reunindo o pensamento de uma série de estudiosos especializados no tema. Alguns desses textos são de maior apreensão por parte do público leigo; outros reúnem informações detalhadas, que interessam principalmente a historiadores e estudiosos sobre o tema e o período retratado. Mas a obra possui atrativos - conceituais e visuais - mais do que suficientes para atrair os interessados pelo assunto. Engana-se quem pensa que o estudo sobre a produção artística desenvolvida no País no período colonial tem um interesse apenas cultural. Trata-se de uma investigação sobre as raízes políticas e econômicas de nossa sociedade. A Igreja, no Brasil colônia, representava um papel extremamente relevante e não apenas no que tange ao espírito. Como explica o coordenador do projeto, Percival Tirapeli, no texto de abertura do livro, a ausência do poder real, sem rei ou aristocracia, deixou um vácuo de poder enorme, que foi preenchido pelos religiosos. "O espírito do barroco (...) preencheu esse vácuo político por intermédio da Igreja e de suas encenações ritualísticas, paradas no gozo dos sentidos da visão, criando cenários de incalculáveis apelos que levavam os fiéis a arrebatamentos espirituais", resume. Em cada região, isso teve suas características particulares. Enquanto em Minas Gerais a coroa proibiu a presença das ordens religiosas por temer que eles se apossassem das riquezas, dando lugar a uma criação mais livre, em São Paulo não se verificou o fausto encontrado em outros locais. E a falta de cuidado com o parco patrimônio colonial fez com que essa carência se tornasse ainda mais gritante. Em seu texto intitulado A Talha Dourada na Antiga Província de São Paulo: Exemplos de Ornamentação Barroca e Rococó, o pesquisador Mozart Alberto Bonazzi da Costa lamenta a sobrevivência de apenas pouquíssimos exemplos da arquitetura e arte barroca paulista, testemunha, por exemplo, da importância do imaginário visual indígena nos trabalhos realizados na região sob o controle dos jesuítas. Alguns dos destaques na produção da capitania de São Vicente são as imagens religiosas, como explica Wolfgang Pfeiffer, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. O autor das primeiras imagens de barro cozido feitas no Brasil é João Gonçalo Fernandes, um santeiro português que foi preso em São Vicente por um crime que não cometera. As três imagens - que podem ser vistas em igrejas e museus de Itanhaém, São Paulo e São Vicente - datam de 1560. Vários outros artistas merecem destaque neste campo, em especial os beneditinos frei Agostinho da Piedade e frei Agostinho de Jesus, analisados cuidadosamente por Pfeiffer. "São Paulo teve sua grande colaboração do espírito devocional criando belíssimas peças de inspiração erudita e popular, encerrando, em seu caráter austero, a mais bela expressão da imaginária feita em argila policromada", conclui ele. Mesmo no que tange à pintura colonial paulista, normalmente considerada simples e ingênua, o estudo procura esmiuçar qualidades e elementos de diferenciação. Ao todo, o livro, ricamente ilustrado, reúne cerca de 20 textos, de diferentes especialistas, sobre arquitetura e urbanismo, ornamentação, literatura e música e pretende apenas ser mais um passo importante na redescoberta desse passado artístico e cultural que começou a ser novamente revisto com os estudos de Mário de Andrade em busca das "raízes mais profundas da vida cultural brasileira", como define Maria José Spiteri Tavolaro Passos.

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