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Livro conta história do jornal "The New York Times"

Por Agencia Estado
Atualização:

O que levou Gay Talese a contar a história do The New York Times? Talese é tido como o inventor do new journalism, um estilo que buscava na ficção os recursos necessários para dar a uma história mais "clima", mais psicologia, um estilo elaborado, quando não afetado, e subjetivo declaradamente parcial. Por que então contar a história do The New York Times, jornal cuja alcunha é "a velha dama cinzenta" conhecido pela sobriedade e objetividade? Basta ler algumas páginas de O Reino e o Poder, livro escrito em 1971 e revisado em 1981 e só agora lançado no Brasil pela Companhia das Letras (com prefácio do autor especialmente para a edição). Primeiro, o dado subjetivo: Talese é apaixonado pelo Times, onde trabalhou por dez anos e ao qual faz, no livro e na entrevista a seguir, uma verdadeira eulogia. O compromisso do Times com a informação qualificada, apurada e editada com responsabilidade e transmitida com rigor, faz dele uma instituição que, para Talese, mente menos do que qualquer outra instituição americana. Agora, um dado mais objetivo: Talese conta a história do Times como um verdadeiro romance, em que há conflitos e erros e angústias mas, no final, entre frustrados e feridos, os princípios são vencedores. Quer material mais rico para um jornalista que usa a ficção para chegar a uma "arte da realidade"? Além disso, Talese, que deu entrevista por fax da China, sabe que, no Times, ser "imparcial e completo", ou pertencer a uma família, nunca significou escrever de forma burocrática e confundir pluralismo com marketing. Há mais criatividade num "lead" do New York Times, às vezes, do que em um jornal brasileiro inteiro. O interesse central de Talese é o jogo psicológico presente no dia-a-dia de uma redação de jornal importante. A relação com Washington, que (como Brasília) tende a acentuar a fofoca política e as declarações oficiais; a pressão sobre os críticos independentes; o efeito das diferenças de opinião e ética entre os editores; os erros causados pelo estresse; a fronteira nebulosa entre interesse comercial e conteúdo comercial - tudo isso é descrito pelo autor de modo contagiante, valendo para qualquer redação. A diferença é que o Times realmente preza seus princípios e não permite que aqueles que põe nas funções principais confundam notícia com idiossincrasia, solicitem matérias elogiosas sobre sua cidade ou ataquem aqueles por quem são criticados. Talese está preocupado com a inflação da mídia na atualidade, em que qualquer boato, especulação ou meia-verdade é logo alardeado como "furo" ou "exclusivo", e com o despreparo dos jornalistas, que convertem publicações em releases e fofocas, em pílulas malfeitas e bem promovidas. Tradicional, falível, lento, o New York Times continua a ser para Talese a demonstração de que jornalismo inteligente não só é possível mas também "dá retorno". Afinal, ele mesmo, Talese, se tornou famoso por um jornalismo que, embora inovador e ágil, sempre primou por não distorcer os fatos. Estadão.com.br - "Se você tiver informação qualificada, os lucros virão." Esse princípio parece o oposto do dito de P.T. Barnum de que "ninguém nunca perdeu dinheiro subestimando a inteligência do público". O sr. acha mais difícil para o New York Times representar esse princípio atualmente, com tantas TVs e sites? Gay Talese - Acredito que o New York Times é mais necessário agora do que nunca antes, porque o nível de jornalismo "inteligente" e "confiável" caiu, precisamente porque há tantos jornalistas subqualificados trabalhando com a nova tecnologia e na televisão. Quando eu era repórter do New York Times me instruíam a ver os fatos como são, a ser justo ao relatá-los, a nunca se comprometer em nome de conseguir as histórias antes dos concorrentes. O que aparecia no New York Times supunha-se confiável, preciso, nunca forçado, nunca descuidado. Hoje muito do que aparece na Internet é especulativo e produzido por repórteres despreparados - e, no entanto, freqüentemente termina destacado e ganha circulação ainda maior por parte das pessoas que trabalham na TV e na imprensa escrita... Não é só porque uma coisa aparece na Internet que deve ser repetida por repórteres mais responsáveis. Mesmo assim, se a história é "saborosa", se sugerir algum escândalo na vida de uma pessoa conhecida (um político, uma estrela de cinema, um atleta), será espalhada por toda parte. Portanto, o New York Times tem de manter o padrão mais do que nos velhos tempos, em que não estávamos sozinhos na defesa de valores tradicionais no jornalismo. Havia outros jornais, bons jornais como o New York Herald Tribune, que estavam preocupados como nós em publicar histórias com rapidez mas também com precisão. No ano 2000, no jornalismo, em quem podemos acreditar? Quem determina os padrões de credibilidade? Acho que é o New York Times. Há menos mentiras no New York Times hoje, acredito, do que em qualquer outra instituição americana. Acredito que ninguém deve confiar em que governos digam a verdade - e isto inclui, claro, o governo dos Estados Unidos. Tudo, ou quase tudo, é aumentado, é distorcido para chamar a atenção para quem quer que esteja distribuindo a informação. O papel da imprensa, numa democracia, é atravessar a fachada dos fatos. O New York Times é o líder da mídia na busca pela verdade - até onde é possível definir o que é "verdade". E hoje, como eu disse, com tantos repórteres interessados em fofocas e em informações falsas e escandalosas, sem base nos fatos, o New York Times é o que chega mais perto da luz. O jornal hesitou bastante antes de adotar cores. Não teria sido uma preocupação excessiva? Hoje o jornal trabalha com elas de modo agradável, sóbrio. O tradicionalismo é um fardo para o New York Times? Talese - Sim, o New York Times demorou a adotar cores. Mas, sendo um defensor da tradição, ele é lento em adotar qualquer novidade. Há um século, foi lento em adotar fotografias. Olhe o Times no final do século passado e você verá páginas sem nenhuma foto ou ilustração... O que um jornal vende são notícias, informações, não necessariamente uma "bela embalagem" para os olhos, ainda que, realmente, eu ache que o jornal hoje é belamente ilustrado e diagramado. O livro mostra conflitos que qualquer jornal conhece, as pressões, as precipitações. Ser uma grande empresa, e no entanto uma empresa familiar, torna esses conflitos maiores ou menores para o New York Times? Talese - Meu livro mostra o quão "humanos" os jornalistas do Times podem ser. Foi o primeiro livro, creio, a reconhecer que as pessoas que escrevem e editam as notícias são importantes o bastante para se estender sobre elas -- e escrevi esse extenso livro com isto em mente. Trabalhei dez anos no Times, e durante esse período conheci o interior do jornal e muito do que se passava nas mentes e corações dos repórteres, editores e dos donos do jornal, a família Sulzberger. Que o Times seja ainda uma instituição familiar - comandado por uma família que escolhe quem edita o jornal e conduz a opinião editorial do jornal - significa que existe realmente uma tradição de "valores familiares" ali. Nada que aparece no Times de hoje chocaria o bisavô do atual "publisher". Há uma responsabilidade "ancestral" no Times. O sr. descreve jornalistas que tinham uma visão quase romântica de sua profissão, que a viam como uma missão para a qual é necessário ter vocação, diferentemente do que o sr. chama de "robotização" e "despersonalização" do jornalismo atual. Como conciliar o aspecto pessoal e o aspecto técnico da profissão? Talese - Sim, descrevo com uma "visão quase romântica" a vida dos jornalistas (eu mesmo fui parte dessa visão, quando jovem); e realmente vejo o jornalismo como uma missão de jovens, que trazem uma abordagem jovial e idealista das atividades e declarações dos mais velhos que ocupam posições de poder e influência na vida pública. Jornalismo sempre reflete um conflito geracional - uma visão diferente do que é e do que deveria ser, um questionamento dos que estão de fora (os jornalistas) sobre o que ocorre por dentro (das salas em que decisões que afetam o público em geral são tomadas). Bom jornalismo, jornalismo rigoroso e honesto, é nossa principal esperança de atingir a compreensão dos fatos. Governos mentem. Não se deve acreditar em nenhum governo. O desafio dos jornalistas é cultivar fontes entre os "decision-makers" sem se deixarem levar por elas. "Ser imparcial e completo." Até que ponto o New York Times tem conseguido seguir esse lema? Talese - Meu livro está cheio de exemplos de quando o Times se desviou de seus princípios. Um exemplo recente: a cobertura devotada neste ano e no ano passado ao caso do cientista nuclear Wen Ho Lee em Los Alamos; o Times se precipitou ao sugerir que ele era um espião que roubou as "jóias da coroa" do arsenal nuclear americano. O jornal citou um ex-oficial da CIA que disse que o caso ia se tornar "tão ruim quanto o dos Rosenbergs". Bem, a fonte da CIA não era confiável, e o Times ajudou a arruinar a reputação (e justificar o longo período de prisão) de Lee. Um mês atrás, o Times reconheceu o erro. O que acho: acho que a inclinação anti-China que existe no grupo anticomunista de Washington (e que também existe na página editorial do jornal) influenciou o noticiário. Muitas das histórias sobre a China no Times acentuam o negativo. Estou na China neste momento e muito do que se passa aqui é positivo. O que é negativo tem uma base quase justificável, ou seja, controlar a Falun Gong. Esta "seita" poderia realmente tomar este país com sua ideologia de retidão. Acho que a canonização pelo papa de todos aqueles "santos" que, em alguns casos, cometeram atos de crueldade no passado, é um exemplo de política antichinesa. Talvez até mesmo o Prêmio Nobel dado esta semana para um romancista e dramaturgo chinês exilado seja outro exemplo de como a crítica à China de Mao abençoa aqueles que partilham a "visão ocidental" de que a China é opressiva... o que, claro, ela é. Mas muitas nações são... e mesmo nos EUA a reação a cultos organizados (os Dividianos, por exemplo) pode levar (e levou) à crueldade. Os EUA mataram muitos inocentes em Waco, Texas. Há uma controvérsia sobre quem criou o new journalism. Uns dizem que foi o sr., outros dizem que foi Tom Wolfe, e há quem lembre que Lilian Ross começou tudo isso na New Yorker. Quem é o inventor? Talese - Tom Wolfe diz que eu inventei o new journalism. Mas, embora eu aprecie o respeito de Wolfe por mim, não tenho a menor idéia de como esse método começou. O que fiz foi uma tentativa de instilar na escrita factual o estilo e os recursos da ficção. Procurei a "arte da realidade" ao escrever sobre pessoas como se elas fossem parte de um conto ou de um romance; e no entanto eu queria que essa escrita fosse "precisa", verificável, que não distorcesse os fatos em nome da apresentação dramática. Se vejo um nome inventado numa narrativa de não-ficção, paro de ler. Preferiria ler ficção. O método do new journalism era usar recursos de ficção em textos de não-ficção. Tom Wolfe partiu para a ficção. Por que o sr. não escreve ficção? Talese - Uma vez escrevi um conto (Getting Even, publicado em 1965) e, quando recebi o cheque do editor, e uma carta me encorajando a escrever mais ficção, nunca mais me senti compelido a tentar de novo. Eu acreditava que, em meu trabalho de não-ficção, estava explorando a personalidade interior daqueles sobre quem escolhia escrever. Não posso dar detalhes sobre o que estou fazendo aqui na China, mas estou aqui há um ano acompanhando a vida de uma garota comum em Pequim. Espero que ela seja uma personagem interessante de meu próximo livro, uma personagem que dirá muito sobre a vida na China hoje, mesmo que ela não seja "importante". Ela não é uma pessoa pública. Ela é uma pessoa privada, e estou relatando sua privacidade e, neste sentido, estou escrevendo sobre as pessoas da maneira como um ficcionista faz. Afinal, muito do jornalismo é sobre pessoas públicas, pessoas importantes, e minha ambição é escrever sobre a vida privada na realidade. Quem são seus autores favoritos? Talese - A maioria dos meus escritores favoritos - aqueles que me influenciaram - são escritores de ficção. Na minha juventude, os contos de Scott Fitzgerald, Maupassant, os escritores da época que cresci lendo (Graham Greene, John O´Hara, Irwin Shaw), são essas pessoas que tento emular. Mas eu queria fazer isso em não-ficção, não em ficção. Esse foi meu desafio... fazer algo "diferente" com a forma da não-ficção, encontrar na não-ficção uma nova liberdade de expressão e forma.

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