Livro analisa o mito do agente 007

Sexo, Glamour e Balas, de Eduardo Torelli, é uma enciclopédia ligeira sobre o herói James Bond, sua origem e evolução no cinema

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Por Agencia Estado
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Quase à maneira de um fanzine, com fotos de copyright duvidoso e organização repleta de dados pouco comprováveis, da alçada de fãs, está sendo lançado o livro Sexo, Glamour e Balas, de Eduardo Torelli, uma enciclopédia ligeira sobre o mais famoso de todos os agentes imperialistas - como ele mesmo se autodefiniu -, o britânico James Bond. Torelli organizou o livro como um compêndio sobre 007, mas, driblando a armadilha dos verbetes, tentou produzir texto que se sustentasse como referência e como literatura prazerosa. Dos livros e da biografia do autor de 007, Ian Fleming, às idiossincrasias de cada um dos atores que encarnaram o personagem no cinema, a enciclopédia bondiana de Torelli analisa até os subprodutos do herói. Qual é o charme desse herói com "licença para matar", que nasceu quase como arma de propaganda no meio da guerra fria e que se adaptou mal e porcamente às novas circunstâncias geopolíticas do mundo contemporâneo? Torelli escreve que Bond surgiu "casualmente" em 1953, como protagonista de um livro barato de espionagem. E nos ensina que sua reputação só saltou da esfera do pulp para a de cult com a admiração expressa de personalidades, como John Kennedy. Fleming era filho de um herói de guerra e cursou uma escola militar na Inglaterra. Depois, enfastiou-se e virou jornalista. No início dos anos 30, chefiava a redação da Reuters em Moscou, o que explica boa parte de sua intimidade com a geopolítica daquele País. Seu folhetim tinha endereço certo. Com James Bond, a Inglaterra se sentiu vingada. Tinha um grande herói pairando acima do bem e do mal, irresistível e cheio daquela fleuma britânica, o ar "superior", revigorando a habilidade e a capacidade dedutiva de seu velho Sherlock Holmes. Machista e sexista, irritou os movimentos feministas. Irritou os inimigos do mundo capitalista. Quando morreu seu autor, o Pravda, jornal oficial do Partido Comunista soviético, escreveu, em 1965: "Ian Fleming está morto, mas Bond não pode morrer. Afinal, é o modelo ideal para os assassinos enviados ao Vietnã, ao Congo, à República Dominicana e a outros pontos do globo." Embora a edição careça de sofisticação gráfica, Torelli fez uma pesquisa interessante. Foi aos arquivos e mergulhou em gavetas cheias de pó, mas também se preocupou em buscar referências mais intelectualizadas, por assim dizer. Há observações de Umberto Eco sobre uma cena de O Homem com a Pistola de Ouro, por exemplo. Humor e autocrítica - O ator Roger Moore descobriu que, sem humor e sem autocrítica, Bond não sobrevive muito tempo. Sean Connery deu-lhe o arcabouço masculino definitivo, o homem que amadurece sem perder o mistério que encanta o público feminino. Timothy Dalton quase o matou, encarnando um Rambo sem sofisticação e rancoroso em Licença para Matar. O australiano George Lazenby foi sepultado com sua tragédia - a de ter encarnado no cinema o único 007 que ousou escolher uma única mulher, e de ter-se casado com ela. Roger Moore, escandalosamente fora de forma nos derradeiros filmes da série, era um pândego. Dos sete filmes que fez, poucos foram aqueles nos quais ele esqueceu o senso de humor. Moore fez o melhor de todos os Bond, Viva e Deixe Morrer, com a música de abertura de Paul McCartney e Wings e um magnífico vilão-drag, o Barão Samedi (Geoffrey Holder), sósia do nosso saudoso Vera Verão. Chegamos ao novo século com Pierce Brosnan na pele do herói, fazendo um Bond pós-moderno em Um Novo Dia para Morrer - um filme todo construído com citações das histórias pregressas, homenagem a si mesmo. Brosnan começou mal. Em O Mundo não É o Bastante, ele executa à queima-roupa uma vilã, desarmada. Mas na nova aventura, quase se despedindo do personagem, ele se mostra mais solto, à vontade, sem a pressão de sempre.

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