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Livro aborda façanha de alpinistas

Por Agencia Estado
Atualização:

Lançado em 1951, Annapurna, o Primeiro 8 Mil, do francês Maurice Herzog, acabou se tornando, através de sucessivas reedições e traduções em todo mundo, um celebrado clássico do montanhismo, ao narrar, num estilo ágil e cativante, a verdadeira odisséia em que se constituiu, pela primeira vez em toda a História, a heróica conquista humana de uma das 14 montanhas com mais de 8 mil metros de altitude existentes sobre a face da Terra. Nunca, até então, ninguém havia alcançado semelhante proeza, e a 3 de junho de 1950, a humanidade pôde comemorar, sobretudo a França, - então particularmente ávida de "triunfos" nacionais - , patrocinadora da façanha e terra natal dos nove montanhistas, um marco inédito do domínio do ser humano sobre a natureza. Vencendo toda sorte de dificuldades, algumas delas quase intransponíveis, aqueles pioneiros lograram imortalizar seus nomes, ao mesmo tempo em que abriam caminho para novas conquistas e novos desafios do gênero. A montanha, Annapurna; o país, o Nepal, o mais elevado do planeta; os protagonistas da epopéia, além de Maurice Herzog, que liderou a expedição, - Louis Lachenal, Jean Couzy, Marcel Schatz, Jacques Oudot, Lionel Terray, Francis de Noyelle, Gaston Rébuffat e Marcel Ichac, a maioria deles, a exemplo do autor do livro, ainda em atividade, e autêntica lenda viva do montanhismo mundial. A rigor, Annapurna é uma obra coletiva. Apesar de inteiramente ditada, de um leito do Hospital Americano de Neully, por Maurice Herzog, onde ainda se recuperava de sérios problemas físicos causados pela expedição, o livro lançou mão de diários e depoimentos dos demais integrantes da missão visando a compor o relato do inesquecível empreendimento. A destacar a graça e a agilidade estilísticas que marcam a linguagem desse livro que não fica nada a dever aos melhores relatos de aventuras - fictícios ou factuais -, convertendo Annapurna, de modo surpreendente, numa obra literária por excelência. Nos 20 capítulos que integram o volume, em impecável tradução de Rosa Freire d´Aguiar, vemos desfilar à nossa frente - numa narrativa que não fica nada a dever aos melhores filmes de ação - o que foi, em essência, a grandiosidade dessa aventura. Com seis toneladas de material e víveres conduzidos às costas por quase uma centena de sherpas (uma espécie de "proletariado" do montanhismo, no Himalaia), a expedição atinge Tukucha, a 2 mil e 500 metros de altura. Dali, para se ter uma idéia ainda que pálida da empreitada, os alpinistas, liderados por Herzog, terão de escalar mais 5 mil e 500 metros de montanha com o determinado propósito de fincar a bandeira francesa no cume do imprevisível Annapurna. A empresa reveste-se de dificuldades ainda maiores quando lembramos que a expedição, além dos limitadíssimos recursos tecnológicos da época (nem os rádios-transmissores funcionavam direito...), teve de travar uma autêntica luta contra o tempo. Muito próximos de atingir o objetivo, "impedidos" de desistir e "condenados" a continuar a escalada, os montanhistas tinham menos de uma semana para chegar ao topo do Annapurna. Do contrário, seriam colhidos pelas terríveis monções que invibializariam totalmente o prosseguimento da jornada, ao mesmo tempo em que impediriam, de modo definitivo, o retorno dos montanhistas aos acampamentos situados a altitudes inferiores. O resultado, no livro como na vida, é um suspense de tirar o fôlego... Cirurgias a frio, pavorosas oftalmias, toda sorte de achaques físicos diretamente ligados à altitude, mutilações, desespero - as agruras de um punhado de homens, vivendo para além de todos os limites, pontua, do começo ao fim, esse relato apaixonante, hábil em mostrar até onde o ser humano é capaz se o move a inarredável busca de uma meta ou de um alvo. Deste modo, Annapurna não deixa de constituir também uma modelar lição ética e da capacidade não pequena do homem em ultrapassar obstáculos, o que pode soar como uma lição ingênua, e só não o é porque a anima um intento ainda maior - o de provar a nós mesmos do que somos capazes. E esta, ninguém duvide, será sempre uma lição exemplar. Ainda que como os poetas, os montanhistas sejam também chamados, sobretudo na França, pólo mundial do melhor alpinismo, de "les conquérants de l´inutile" (os conquistadores do inútil). Muito embora o atraso de exatos 50 anos, o relato dos pioneiros do montanhismo mundial, com suas memoráveis instruções de desassombro e coragem, a partir de agora está posto em língua tupiniquim, à disposição do leitor brasileiro de qualquer espécie ou estirpe. E isto em si já conta, e muito, em favor do livro que a Companhia das Letras acaba de publicar entre nós. Antes tarde do que nunca. Wilson Bueno, escritor, é autor de, entre outros livros, Meu Tio Roseno, a Cavalo (editora 34) e de Jardim Zoológico (Iluminuras). Annapurna ? O Primeiro 8 Mil, de Maurice Herzog. Companhia das Letras, 376 páginas, R$ 31,5.

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