
17 de janeiro de 2020 | 16h18
A antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz foi uma das primeiras pensadoras a desmontar o discurso do ex-secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, que tentou afastar seu discurso do do ministro nazista Joseph Goebbels. Veja a entrevista.
Não há piada alguma no fato do então secretário especial da Cultura citar o poderoso Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, sob uma música de fundo de Wagner, cabelos colados na cabeça e uma cruz ortodoxa da Hungria na lateral. A alusão é ofensiva a todos os cidadãos brasileiros. Inaceitável. Quem namora com o nazismo é porque quer colher tempestade política. É preciso que nossas instituições democráticas repudiem com veemência a esse tipo de paralelo histórico. Como dizia o escritor Primo Levi: “não quero viver num mundo em que as ideias desses homens estejam vivas”.
Não há coincidência. A estrutura das frases é idêntica, não é possível se repetir um parágrafo inteiro sem ser proposital. Uma coisa é a coincidência, a outra é uma citação - o que foi, no caso. O significado se faz em contexto. Na live que fez com Bolsonaro, Alvim disse que ia apoiar projetos conservadores no plano de cultura. Não contente, falou sob um fundo musical de Wagner e ao lado de uma cruz ortodoxa húngara, que foi usada pelos nazistas húngaros e que hoje é uma referência a um país com um papel tremendamente conservador.
É preocupante o aparelhamento da cultura. Regimes ditatoriais começam atacando artistas, queimando livros, defendendo projetos culturais populistas. Ou se corrompe a grande arte ou se promovem artistas muito engajados com o governo. Esse projeto cultural proposto pelo Alvim tem uma clara definição de projeto político a que essas pessoas candidatas deveriam seguir. Um projeto conservador. É um atentado à nossa Constituição, ao nosso direito de cidadão, enfim, um projeto muito perigoso. É um projeto que não prepara o cidadão para a crítica, mas para que siga o governo de forma passiva.
Essa discussão é importante, sobre arte e política. Não acredito que os artistas vivem em uma bolha e não dialogam com seu contexto. Mas, nesse caso em particular, não falamos de uma ode ao Wagner - aliás, gosto muito de ouvir sua música. Aqui, o fato de o ex-secretário se apresentar no vídeo entre uma bandeira e uma cruz húngara, e fazer um discurso em que ao menos um parágrafo é uma citação de Goebbels, não nos permite fazer uma análise isolada da beleza da música de Wagner. Não estamos para julgar a música, mas o uso que o ex-secretário fez de Wagner.
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