Leveza, equívocos e 5 minutos especiais

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Ela saiu apressada anteontem da Sala São Paulo, quando o público ainda aplaudia. Assinante da Osesp desde a primeira temporada de John Neschling, tem cadeira cativa às quintas (comprou as quatro séries). Já no estacionamento, considerou pesados demais os concertos desta temporada, em comparação com anos passados. Ao menos quanto ao concerto de anteontem, o adjetivo "pesado" surpreende, já que a primeira parte foi leve até demais, com a "matadora" abertura de Guilherme Tell de Rossini e a estreia mundial do concerto para dois violões de Paulo Bellinati com o Brasil Guitar Duo. Possivelmente, a experiente assinante tenha se referido à segunda parte: 40 minutos de Respighi são de fato pesados. Menos pelas Fontes de Roma, de fatura mais transparente; mais pela arrastada Rainha de Sabá. A regência meio truculenta de Giancarlo Guerrero, se não funcionou nas fontes, esquecendo a sutileza, se mostrou tão pesada quanto a própria Belkis. Ouvindo-a, sacamos por que esta música foi usada como propaganda pelo fascismo. Pertenceu à Reale Accademia d'Italia e colaborou com Gabriele D'Annunzio, uma espécie de ministro da cultura informal de Mussolini.Já a leveza da primeira parte dividiu-se em dois segmentos. Primeiro, a abertura de Rossini, com seu galope final capaz de ressuscitar defunto. Observando a reação do público, dá para entender a inveja que Beethoven sentia do autor de Guilherme Tell.Bellinati é um dos mais talentosos violonistas da música instrumental brasileira, gênio no improviso e autor de temas antológicos e que desfruta hoje de justíssimo prestígio internacional. Mas seu concerto tem um problema sério. Não é um concerto. Apenas empilha, em sequências estanques, seções do duo e da orquestra. Em raros momentos tocam juntos. Bellinati declarou que não quis fazer um concerto erudito. Mas ao menos poderia ter fugido da orquestração simplória, calcada na batida cartilha das trilhas de Hollywood. É visível. Ele não se sentiu à vontade com a encomenda, que resultou num Frankenstein: partes maravilhosas do duo de violões com a orquestra calada; e platitudes na orquestra, sem o duo. Os compositores contemporâneos que de fato praticam música de invenção são minoria nas encomendas da Osesp deste ano. Dupla perversidade: com Bellinati e com criadores que permanecem marginalizados. Afinal, a função de uma orquestra é encomendar obras a compositores - e não a músicos populares, que nestas tentativas frustradas de "crossover" caem num neonacionalismo canhestro.Houve, no entanto, um grande momento do Brasil Guitar Duo: o Samba, de Bellinati, no extra. Cinco minutos magníficos.

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