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Letras e imagens de Murilo Mendes

O Museu Lasar Segall expõe cartas e outros manuscritos do poeta e crítico mineiro e parte de seu acervo, com obras de Picasso, Braque, Portinari, Guignard e seu grande amigo Ismael Nery

Por Agencia Estado
Atualização:

A exposição Murilo Mendes 1901-2001 que será inaugurada neste sábado no Museu Lasar Segall, resgata a memória de um dos maiores poetas brasileiros de uma bela e inusitada maneira. Além de reunir uma série de livros, documentos e manuscritos, a mostra traz uma seleção de obras de arte de primeira qualidade que, além de dar ao público a oportunidade de ver de perto trabalhos de mestres estrangeiros e brasileiros, traz a público uma interessante faceta desse homem de letras: sua íntima relação com o mundo das artes plásticas, quer como crítico - publicando durante anos crônicas sobre os eventos da área em jornais como o carioca A Manhã - quer como companheiro de jornada de figuras essenciais da arte brasileira deste século. A mais importante dessas amizades foi, sem dúvida, com Ismael Nery, um dos nossos mais importantes modernistas, que infelizmente morreu muito jovem, aos 33 anos. Os dois tinham em comum o fato de serem um "viveiro de contrastes", como define Antonio Candido em texto reproduzido no catálogo da exposição em questão. Católicos e surrealistas, convervadores e revolucionários. Fala-se muito de um suposto triângulo amoroso entre Mendes, Nery e sua bela esposa, Adalgisa. A amizade entre os dois está simbolizada tanto nos trabalhos de Nery na exposição, quanto na presença - logo no início - de dois retratos dos amigos, ambos assinados por Guignard. A imagem do poeta, em particular, é preciosa, colocando-o, ainda jovem, diante de uma janela que se abre para o Pão-de-Açúcar. Mas também é possível ver ao longo da exposição - excepcionalmente leve para uma mostra literária - preciosidades de nomes essenciais da arte brasileira e internacional, como Picasso, Braque, Miró, Maria Helena Vieira da Silva, Portinari, Flávio de Carvalho, Fayga Ostrower... Do próprio Lasar Segall (que é uma espécie de anfitrião da mostra, tendo cedido ao amigo o espaço normalmente ocupado por uma seleção permanente de obras suas, que atualmente estão itinerando pela América Latina) não há nada. Nas notas de Mendes há referência a uma obra em especial, mas tudo indica que ela ainda esteja com a viúva, Maria da Saudade Cortesão, que vive em Lisboa. Há na seleção de obras uma predominância de obras sobre papel - com destaque para um conjunto de três excepcionais gravuras assinadas por Lívio Abramo, Goeldi e Marcelo Grassmann. Mas o mais interessante no acervo de Mendes é a profunda diversidade de suas obras, que passam do surrealismo - com o qual namorou - à abstração, como as telas de Almir Mavignier e Alberto Magnelli. Essa abertura diante do mundo é uma característica central do poeta e do homem Murilo Mendes e que o tornou tão especial aos olhos dos amigos. Pode ser considerada a característica mais marcante dessa mostra organizada pelo Centro de Estudos Murilo Mendes, da Universidade de Juiz de Fora, para comemorar o centenário do poeta nascido em 1901, que já passou pelo Rio e agora chega a São Paulo. "Ele era seguro do que queria, mas também muito receptivo às diversidades", explica a diretora do Museu Lasar Segall, Denise Grinspum. Mostra - Logo de início já é possível perceber que a exposição de Murilo Mendes não é uma mostra literária comum. Lá estão as vitrines cheias de textos e histórias - e sobretudo livros que deixam frustrado o visitante mais curioso, que não pode folheá-los, tendo de se contentar em ver capas ou páginas selecionadas. Mas também há nas paredes uma série de obras que resumem um pouco da história desse poeta - um dos mais ricos da literatura moderna brasileira. Às vezes essa lacuna é compensada como no caso da obra "Janelas Verdes". As ilustrações de Maria Helena Vieira da Silva, anunciadas na cobertura, estão exibidas ao lado da vitrine. A idéia da curadoria, idealizada por Júlio Castañon Guimarães, foi exatamente a de criar uma relação entre as obras impressas das vitrines e as obras visuais. Após alguns retratos (dentre os quais se destaca a bela pintura feita por Guignard mostrando-o com o Pão-de-Açúcar ao fundo), a mostra começa com um pequeno núcleo dedicado aos modernos europeus, com obras como uma bela litografia feita por Picasso em 1947, duas gravuras de Braque e outra de Léger, dedicada pelo próprio artista. Em seguida há trabalhos mais relacionados ao surrealismo e em especial uma série de obras do amigo Ismael Nery. Há também outros blocos dedicados à sua relação com os italianos, com um leque amplo de artistas brasileiros e um núcleo dedicado à Vieira da Silva e Arpad Szenes. Essa relação é ainda melhor detalhada no catálogo editado por ocasião da mostra comemorativa do centenário de nascimento do escritor - é uma versão resumida dessa exposição, organizada pelo Centro de Estudos Murilo Mendes, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que chega agora a São Paulo. No caso de Vieira da Silva, por exemplo, além de reforçar a importância da amizade entre eles, a relação entre a produção artística da artista portuguesa e as poesias de Mendes, é possível conhecer também a avaliação crítica do teórico sobre a obra dela e que diz muito sobre sua maneira de pensar as artes plásticas, sobre seu olhar respeitoso e afetivo. "Dia e noite sua lâmpada está acesa, e a infatigável operária move, move e move lápis e pincéis, sem que o mundo exterior a perturbe ou convença. Sua liberdade visionária é servida por uma técnica segura. Variadíssimos elementos eruditos combinados com outros de inspiração popular reúnem-se sem conflito nesses inumeráveis desenhos e nessas inumeráveis telas, chegando quase sempre a realizar uma síntese de graça e gravidade, obtida geralmente por meio das terras e dos azuis!", escreveu ele sobre a amiga. O catálogo também reúne interessantes análises sobre a obra do poeta, que narram anedotas, destrincham textos e acima de tudo procuram torná-lo mais humano, mais próximo dos brasileiros. Ele próprio temia essa distância, que sua obra se tornasse pouco conhecida por aqui, já que viveu por muito tempo na Europa. Viveu por quase duas décadas na Itália, tendo assumido em 1957 a cadeira de estudos brasileiros na Universidade de Roma, e morreu em Lisboa no ano de 1975. Dentre os artigos mais elucidativos sobre a relação entre o plano visual e o do texto na obra do poeta está o do também poeta e crítico Ferreira Gullar. "A construção dos poemas murilianos vale-se preponderantemente de imagens visuais e de um barroquismo operístico que mistura o cósmico e o urbano, o particula e o universal, o cotidiano e o místico. A riqueza de idéias e imagens, as relações que ele surpreendementemente estabelece entre realidades distintas e contraditórias são algumas das marcas originais de sua poética." Serviço - Murilo Mendes 1901 - 2001. De terça a sábado, das 14 às 19 horas; domingo, das 14 às 18 horas. Museu Lasar Segall. Rua Berta, 111, São Paulo. Tel. 5574-7322. Até 23/10. Abertura, sábado, às 14 horas

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