Lepage encena o ouro de Wagner

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Por Luciana Barone
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O encenador Robert Lepage abre hoje a temporada 2010-2011 do Metropolitan Opera House de Nova York, com sua versão do Ouro do Reno, primeira parte da tetralogia de Richard Wagner, O Anel do Nibelungo, cujo ciclo será por ele montado integralmente até 2012, com a condução do diretor musical do Met, James Lavine.Lepage já havia recebido, em 1990, diversos convites para esta montagem, mas, optando por iniciar-se no mundo da ópera a partir de obras menores, recusou-os. Desde então, dirigiu óperas no Canadá, Japão, França, Inglaterra e EUA, tendo aceitado, em 1995 o convite de Peter Gelb para a nova produção do Anel do Met. O ciclo anterior foi parte do repertório da casa por mais de 20 anos e, tendo por base o mistério em torno dos custos da atual produção (o New York Times estima algo em torno de US$ 16 milhões), tudo indica que a nova montagem deverá seguir carreira longa. Ao Ouro do Reno segue As Valquírias (estreia em 2011), além de Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses, em 2012.No panorama da contemporaneidade, não seria arriscado afirmar que Lepage é o encenador perfeito para trazer à cena o ideal de obra de arte total, caro a Wagner. Transcendendo a relação recíproca das "três artes irmãs" - dança, música e poesia - que Wagner, no final do século 19, deseja para a Obra de Arte do Futuro, a poética híbrida de Lepage faz jogarem as diferentes expressividades artísticas, criando uma linguagem própria, para sua representação espetacular.Artista multidisciplinar que é, Lepage está habituado a diferentes linguagens: ao longo de sua carreira, além de sua extensa obra teatral como ator, encenador e dramaturgo, dirigiu cinco filmes, dois espetáculos para o Cirque du Soleil, cinco óperas, concebeu shows para Peter Gabriel e instalações em Quebec. A ópera parece configurar-se como campo perfeito para o jogo híbrido da poética cênica de Lepage, que afirma: "Cada disciplina tem uma forma de plenitude, mas creio que a ópera é verdadeiramente o que há de mais completo", enfatizando, no entanto, que "é preciso que a ópera aceite o cinema, aceite a televisão, aceite o novo vocabulário".No Anel do Nibelungo, o jogo entre o canto, a música, a arquitetura e novas tecnologias materializa o universo poetizado por Wagner, que Lepage define como "cosmos". A abertura do Ouro do Reno já anuncia o vocabulário explorado, ao fazer a cenografia dançar ao som da orquestra, remetendo-nos a um enorme piano que, banhado pela luz e pelas imagens projetadas vai, aos poucos, transformando-se no rio que guarda o ouro da trama. A cenografia é composta por 24 placas retangulares que juntas formam um plateau e que possuem movimentos independentes, possibilitando a formação de diversas combinações - ideia inspirada nos leitmotivs da composição wagneriana. Receptora das imagens que interagem com o movimento e com a voz dos cantores, a cenografia é suporte não apenas para os ambientes representados, mas para as ideias contidas na estória e sua materialização poética. Assim, é ela que nos dá a grandeza dos gigantes, configurando também a enorme escada que leva Wotan e Loge à terra dos Nibelungos.Interessado em montagem que fizesse uso de materiais modernos, mas se pautasse pela fidelidade às origens da obra, Lepage retornou às mitologias que teriam inspirado Wagner. Em viagem à Islândia, encontrou grande fonte de inspiração, pelas impressões geográficas e culturais que teve, enfatizadas por um livro sobre a presença da Islândia no Anel de Wagner, com o qual teria contato posteriormente. A geologia do país, que responde ao movimento do continente pela separação das placas tectônicas, foi o ponto de partida para a concepção cenográfica: a Islândia é um país de gelo, sob o qual há fogo, possuindo um solo bastante particular, que, para Lepage, "está sempre em via de falar". LUCIANA BARONE É DOUTORA EM MULTIMEIOS PELA UNICAMP, COM TESE SOBRE A POÉTICA DE LEPAGE (2007). É PROFESSORA ADJUNTA DA FACULDADE DE ARTES DO PARANÁ. ACOMPANHOU COMO ESTAGIÁRIA ESTA MONTAGEM DE LEPAGE DO OURO DO RENO, EM NY.

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