Leonardo DiCaprio fala sobre 'Rede de Mentiras' de Ridley Scott

'Estou virando um cara sério', diz o ex de Gisele em entrevista exclusiva sobre o filme prestes a estrear

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Por Flávia Guerra de O Estado de S. Paulo
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Leonardo DiCaprio fez aniversário no dia 11. Que presente poderia querer um dos atores mais bem pagos, bem amados, bem falados e hoje bem comportados de Hollywood? "Meu presente eu já ganhei na terça-feira. Foi a melhor coisa que poderia acontecer. Agora só espero que ele faça o melhor possível e que mude muita coisa", responde o ator nascido em Los Angeles quando indagado pelo Estado sobre o que ainda faltava na sua estante de souvenirs. O presente era a eleição de Barack Obama. "Precisávamos desta mudança. Esta foi uma década muito difícil para todos. Espero que agora mudemos todos para melhor."   Veja também: Assista ao trailer de 'Rede de Mentiras', de Ridley Scott    Leonardo DiCaprio, que acaba de completar 34 anos, vive um agente da CIA no filme 'Rede de Mentiras'. Foto: Divulgação Quem mudou sempre, e sempre para melhor, foi Leonardo (como prefere ser chamado). Aos 34 anos, nem de longe o ator lembra "aquele garoto que, há dez anos, comemorava seus aniversários de uma forma muito mais barulhenta e com muito mais confusão". Desta vez, escolheu "algo como jantar com os amigos em um bom restaurante e tomar um bom vinho". Ele comenta: "Para quem espera que um ator de Hollywood seja o personagem perfeito dos tablóides que pipocam todos os dias, isso é tedioso, não é?"   DiCaprio é hoje uma celebridade muito mais preocupada em quantos litros de água desperdiçamos por dia neste planeta do que em beber litros de uísque e quebrar tudo em um quarto de hotel qualquer. "É, tem razão. Estou mesmo me tornando um cara sério e tedioso", brinca.   Por tedioso, entenda-se um jovem, política e ecologicamente engajado, que persegue furacões, estuda a causa de desastres naturais e sociais, como a ‘favelização’ de grandes cidades, o perigo de uma guerra pela água, a destruição da Amazônia, a guerra pelo diamante... Bom, se tudo isso for monótono, que outra lição de casa poderia ser de fato radical e divertida? "Ser um agente no Oriente Médio, que nunca sabe a quem, e quando, dizer a verdade. E muito menos quando de fato a está ouvindo. Em meio a uma guerra suja, como saber se quem nos engana é nosso próprio pais?"   A resposta está nas entrelinhas de Rede de Mentiras, que estréia em Londres no dia 21 e, no Brasil, na semana seguinte, dia 28. Mais novo projeto (melhor seria dizer ‘maratona cinematográfica’) de Ridley Scott, o filme conta a história de Roger Ferris, um agente secreto norte-americano, infiltrado em uma rede de informações no Oriente Médio. O personagem nem de longe lembra Jack Dawson, romântico e intrépido aventureiro que salvou a vida da jovem Rose DeWitt Bukater, em Titanic.   Dez anos depois, em vez de protagonizar cenas como a antológica em que ele e Kate ‘sobrevoam’ o oceano, DiCaprio vive cenas que quase levam a platéia a ter um ataque de nervos. "Eu também quase tive um ataque de verdade, depois de filmar aquela cena. Foi tamanha a preparação e o terror real que senti que, depois de filmá-la, passei dias doente." A tal cena, encerra a jornada de três horas de tensão em que se constrói o tecido de mentiras do novo filme. Para revelar o mínimo, pode-se dizer que DiCaprio protagoniza umas das já memoráveis cenas de tortura do cinema.   Ridley Scott pode até ter pesado demais a mão em alguns de seus filmes, mas sempre foi mestre em construir cenas que não saem da cabeça do espectador mesmo depois de anos. Quem não se lembra do duelo final entre Rick Deckard e o andróide Roy Battyem, em Blade Runner. Quem se esquece de Thelma e Louise diante do precipício? Quem vai esquecer a gosma de Alien a centímetros do rosto de Sigourney Weaver?   Pode apostar. Pouca gente vai esquecer de Roger Ferris em Rede de Mentiras. "E não é só pelo terror físico. O pior foi o terror psicológico. Sem contar que Scott é diretor que nos leva ao último degrau da sanidade. É extremamente meticuloso e, ao mesmo tempo, tem visão geral incrível do set. É capaz de filmar a mesma cena com seis câmeras simultâneas e, ainda assim, não perder o controle do que faz", completa DiCaprio.   Mais extenuante que entrar e sair da pele de Ferris, só mesmo a ‘síndrome de estresse pós-traumático’ que sofreu ao tentar, e não conseguir, se livrar de Jack Dawson. "Bem lembrado. Aquela foi a fase mais difícil de minha carreira. Passei mais de ano sem trabalhar e tentando não aparecer. Jack era mais forte do que eu", relembra o ator, ao falar do personagem que o alçou definitivamente à categoria de estrela, mas que quase o derrubou. "Já fui chamado de Jack nos lugares mais improváveis do mundo", conta. Tais como? "Ah, no deserto do Saara, na Amazônia..." Amazônia? "Sim, em uma das viagens, uma indiazinha de uma reserva me viu e correu até mim me chamando de Jack. Aquilo foi surreal demais", relembra.   E quando foi isso? Em alguma viagem com a ex-namorada Gisele Bündchen? "Foi há muito tempo... É tudo o que posso falar", responde ele, que, ao notar a menor curiosidade da repórter sobre o tema ‘Gisele’, deixa de lado o olhar amigável de ‘moço-para-casar’ e adota o olhar oblíquo e dissimulado.   Mudemos, pois, de assunto. Já que enveredamos pela Amazônia, há quantas anda o engajamento ecológico do ator, que produziu, apresentou e narrou o documentário A Última Hora? Com direção de Leila Conners Petersen, o filme, que teve pré-estréia mundial em Cannes 2007, é um verdadeiro compêndio sobre o quanto o homem conseguiu produzir as maiores ameaças ao equilíbrio do planeta nos últimos séculos. "Anda bem. Ando me preocupando com o atum que como, já que tantos golfinhos são mortos por causa da pesca de atum, preocupado com a água, com a floresta, com o cinema." E o equilíbrio sentimental do ‘moço-para-casar’? Ou vai fazer como George Clooney e assinar o atestado de compromisso de não se comprometer antes dos 40? "Meus únicos planos são os de não ter plano algum. É claro que dentro de alguns anos eu quero ter filhos. E hoje você pode ver que estou mais sossegado. Mas vou vivendo o que a vida me dá." Por ora, a vida já lhe deu Obama de presente e uma namorada que poucos vêem, mas todos conhecem: a israelense Bar Rafaeli. Para completar, Leo e sua eterna namorada nas telas, a grande amiga Kate Winslet com quem fala todas as semanas, voltam a ficar juntos (ou quase) nas telas. Com estréia prevista para o início de 2009, Revolutionary Road, produzido e dirigido por Sam Mendes (marido de Kate), reúne o par. Mas, assim como em Titanic, a união não é das mais fáceis. "Foi um grande presente voltar a trabalhar com Kate. Ela é uma grande amiga. E estamos todos bem. Não posso mesmo reclamar. A vida tem de fato me dado muito." Quem sabe a vida não lhe dá um Oscar por Ferris. Depois de três indicações (Diamante de Sangue, O Aviador e Os Infiltrados), o moço merece o souvenir.   Crítica, por Luiz Carlos Merten   Prepare-se para o blablablá de sempre, sobre o estilo publicitário de Ridley Scott e sua submissão aos interesses geopolíticos dos EUA. Críticos podem ser cansativos, às vezes. Não conseguem enxergar o que está diante do nariz. Pregam a diferença, o direito do outro, mas não o reconhecem. Falcão Negro em Perigo foi rechaçado como pró-americano. Aquele filme? Havia um estrategista militar que se lixava para os soldados e um deles ficava com as entranhas à mostra, para desespero de paramédicos e colegas que tentavam salvá-lo. O filme adotava só o ponto de vista dos gringos? Estão brincando. A cena mais bela e trágica de Falcão Negro durava poucos segundos - era quando o transtornado pai somali carregava o corpo do filho morto, passando pelo carro militar. Há um tema que vem se impondo na produção recente de Ridley Scott. Estava em Falcão Negro e reaparece em Rede de Mentiras. É a oposição entre a visão distanciada dos estrategistas de escritório e a urgência dos que realizam o trabalho de campo - entre Russell Crowe e Leonardo DiCaprio. Um é frio e racional, o outro, impulsivo. Um é o gordão burguês, pai de família que busca e traz a filha da escola, mas, como pai atarefado, não tem muito tempo para ela e deixa suas perguntas sem respostas. O outro está imerso até o pescoço no jogo de traição e mentira do Iraque e do Afeganistão. Mas é sincero - e se apaixona por essa médica muçulmana que presta serviço humanitário no campo de palestinos. Essa oposição, Ridley Scott talvez a tenha absorvido de um grande filme de Don Siegel - Os Impiedosos (Madigan), de 1968, no qual a visão do burocrata Henry Fonda entrava em choque com a urgência das ruas de Nova York do tira Richard Widmark. A diferença é que Siegel construiu um thriller clássico. Ridley pode ter sido influenciado pelo irmão, Tony Scott, de Inimigo do Estado - há uma parafernália de sistemas de escuta e investigação por meio de satélites. DiCaprio vive muito de sua vida em telas seguidas a distância, nos EUA. Entre os dois, surge o verdadeiro protagonista de Rede de Mentiras. O chefe da segurança jordaniana é um príncipe. Tem mulher e amante. É ambíguo, não puritano, portanto, humano. Sabe quais são seus interesses e por que é preciso se aliar com a ‘América’. Os próprios americanos não sabem. Muito interessante como reflexão sobre a era George W. Bush.

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