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Lentes voltadas para dentro

Vista por 16 mil pessoas e em cartaz por mais um mês, individual de Roger Ballen traz oito séries do fotógrafo

Por Roberta Pennafort
Atualização:

O fotógrafo Roger Ballen nasceu em 1950, em Nova York, e se mudou para Joanesburgo, na África do Sul, levado pelo casamento e o ofício de geólogo, há 30 anos. Testemunhou, assim, o fim do apartheid, a libertação e a eleição de Nelson Mandela, as transformações econômicas que elevaram o país de maioria pobre à condição de emergente. No entanto, as lentes de Ballen, formado primeiro em psicologia, não convergiram para as macromudanças, e sim para o indivíduo e suas vozes interiores. "Meu trabalho sempre teve uma base psicológica", disse Ballen, em entrevista no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, horas antes da abertura de sua primeira grande mostra na América Latina, um mês atrás. Desde então, 16 mil pessoas passaram por lá."As fotos são afirmações sobre a condição humana, com as quais outras pessoas se identificam, e que as desafiam em diferentes níveis. Não acho que se esqueçam facilmente das minhas fotos. Para ser importante, a arte tem de expandir a mente das pessoas, é esse o seu propósito. De nada valeria fotografar esse lindo pôr de sol do Rio." Com Transfigurações - Fotografias (1968-2012), em cartaz até 2 de dezembro, o Rio se insere no circuito de cidades que vêm celebrando Ballen em retrospectivas (Nova York, Madri, Oslo, Manchester...) Motivadas pelos 60 anos do artista, os 40 da produção e a maturidade de seu estilo, elas apresentam um panorama jamais visto das diferentes séries, todas em preto e branco.No Rio estão oito séries, "pedaços de seu quebra-cabeça", do início da idade adulta aos dias de hoje, nascidas de um artista que nunca teve interesse pela fotografia comercial. "Como artista, você nunca completa o quebra-cabeça. Seria desistir".Os Primeiros Anos (1968-1974), na qual ele trabalhou com uma Nikon, mostra uma certa influência de Cartier-Bresson nas cenas de rua, do cotidiano e de protestos antiguerra e pelos direitos civis. Boyhood (1973-1978) tem registros de viagens pela África e a Ásia, com foco na infância. São fotos que já prenunciam a estética que Ballen iria adotar: a opção pela estranheza, as poses anticonvencionais.Dorps: Pequenas Cidades na África do Sul (1982-1986) é resultado dos deslocamentos pelo país por conta de seu trabalho como geólogo, durante os quais fotografou ruas e a arquitetura colonial de vilarejos. As casas foram registradas primeiro por fora, depois em seu interior. A Rolleiflex analógica usada até hoje começava a ser empregada aí, mudando o formato das fotos para o quadrado. A série é um marco no processo do desenvolvimento do vocabulário visual de Ballen.A chamada "estética do grotesco" se aguça mais fortemente a partir de Platteland: Imagens da África do Sul Rural (1986-1994), da qual faz parte a icônica imagem de Dresie e Casie, dois irmãos gêmeos com orelhas avantajadas e bocas tortas. As fotos causaram impacto então por mostrar o branco sul-africano em posição de fragilidade e isolamento, quando o estereótipo era o do branco forte e superior ao negro. A remissão à fotógrafa nova-iorquina Diane Arbus (1923-1971), que também era adepta exclusiva do preto e branco, das fotos quadradas e dos personagens freaks, é imediata, mas Ballen transita por outras vias, no entendimento da curadora. "Ele muda a abordagem depois de Platteland. Não é só uma questão física dos retratados, pessoas esquecidas pela sociedade ganham voz."Realizada na periferia de Joanesburgo, Outland (1995-2000) foi a série que lhe deu maior visibilidade mundo afora. A fotografia deixa o caráter documental e passa a transitar entre a realidade e o surrealismo. Sua linguagem estava consolidada. Na seguinte, Shadow Chamber (2000-2004), ele segue pesquisando o homem e o espaço à sua volta, trabalhando com elementos como arames, desenhos nas paredes, fios. As imagens são perturbadoras, como as de Boarding House (2005-2008), realizada num antigo depósito de mineradoras. Em andamento, está Asylum Series, na qual a figura do ser humano desaparece, dando lugar a esculturas, desenhos e objetos. "Quero mais criar mistérios do que responder a perguntas", diz Ballen, que costuma alertar os mais jovens: "Se você quer ser um fotógrafo de arte, terá o trabalho mais difícil do mundo, porque estará competindo com milhões de fotógrafos e imagens".

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