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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Lendo no Outono

Escolha alguém bom e pesquise sobre duas ou três melhores obras. É uma viagem maravilhosa

Atualização:

Os calores começam a amenizar, lentamente. No Centro-Sul do País, batem ventos que clamarão, em breve, por mangas compridas. Chegamos a mais um outono, época de criatividade e introspecção. Que tal ler um pouco? Lemos para analisar o real, para ter companhia e, inclusive, para conseguir olhar um pouco além do rema-rema cotidiano. 

Estamos no ano do bicentenário da Independência. Muita gente dará opinião, surgirão reportagens e o tema pode aparecer de muitas formas. Não perca tempo: uma boa maneira de estar preparado para a data é ler o recente Independência do Brasil, de João Paulo Pimenta (Ed. Contexto). Obra geral, bem-feita para ter uma visão ampla que o professor da USP oferece ao grande público. Se você não conhece, aproveite também para explorar 1822, de Laurentino Gomes (Globo Livros). Sempre gostei muito da trilogia (1808, 1822 e 1889), bem como os recentes sobre Escravidão. Por fim, se quiser estar “afiado” para o evento, também pode conhecer duas biografias de protagonistas do processo de emancipação política: D. Pedro I, de Isabel Lustosa, e José Bonifácio, de Miriam Dolhnikoff (ambos da Cia das Letras). Boas biografias são fascinantes e parecem prender a pessoa que lê de uma forma muito positiva. 

Homem lê livro em janela na muralha da cidade velha de Cartagena Foto: Felipe Mortara/Estadão

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Se o outono trouxe o desejo de boas narrativas literárias, Herança (Miguel Bonnefoy, ed. Vestígio) fará você passar horas agradáveis. O livro conheceu enorme sucesso na França. O autor faz um diálogo com as tradições da América e da Europa e mostra como a história afeta a percepção do mundo. Sempre gostei de autores com pés em dois mundos: Camus, Orwell, Carpentier... 

Está com pensamentos densos sobre a busca da serenidade, o sentido da vida ou a necessidade de reorientar objetivos? Então, minha reflexiva leitora e meu meditabundo leitor: é hora de encarar três breves obras filosóficas. Estou falando de Grandes Mestres do Estoicismo (Edipro). Você vai descobrir muitas coisas bebendo das ideias Sobre a Brevidade da Vida (Sêneca); Meditações (Marco Aurélio) e o célebre Manual de Epicteto. Os estoicos quase sempre são muito práticos. A oportuna publicação da trilogia serve para amantes da Filosofia e para o público em geral. 

Comemos muito, pensamos sobre alimentação e usamos a boa mesa como fonte de sociabilidade. Jacques Attali traz ideias muito inovadoras no texto A Epopeia da Comida, Uma Breve História da Nossa Alimentação (ed. Vestígio). Com frequência, volumes de história da alimentação trazem informações algo aristocráticas sobre as origens de um prato ou quando passamos a comer trufas. Grandes manuais do tema parecem ter um toque aristocrático-decadentista. O autor foge desse estereótipo. É uma viagem sobre a história da distribuição e elaboração de hábitos alimentares com partes analíticas da fome. Faz repensar a comida como fato geográfico, social e político. 

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O tema do machismo é fundamental para qualquer ideia educacional e de grupos de trabalho. Sugiro que as escolas, escritórios e as famílias façam grupos de estudos com o livro de Ruth Manus: Guia Prático Antimachismo para Pessoas de Todos os Gêneros (Sextante). Debater o machismo e a questão da mulher é uma aposta na civilização e na melhoria do nosso mundo. Ler o livro da Ruth, claro e contundente, é um ponto de partida. 

Existe uma opção muito interessante. Só conhecemos um autor ou uma autora se entrarmos mais fundo no seu universo criativo. Que tal escolher um livro clássico e explorar mais obras de quem o concebeu? Deseja aceitar o desafio de entrar no cérebro de Clarice Lispector? Prefere Conceição Evaristo? Vai nadar de braçadas nos contos de Chekhov? Aceita o desafio de entender mais Ana Maria Gonçalves ou Itamar Vieira Júnior? Escolha alguém bom e pesquise sobre duas ou três melhores obras. Vá fundo! É uma viagem maravilhosa. Você verá repetição de alguns pontos e transformações de outros. Sua maneira de ler será transformada. 

Quando eu estava no fim da minha graduação em História, a coletânea de Amin Maalouf foi uma descoberta. Ela apresentava as Cruzadas vistas pelas leituras de documentos árabes. Foi uma grande lição sobre fontes e a subjetividade das narrativas. Em 2011, o autor ingressou na Academia Francesa. Na obra O Naufrágio das Civilizações (Vestígio), ele analisa os conflitos identitários, o islamismo radical e o ultraliberalismo como riscos à civilização. O livro deu-me muitas pistas analíticas sobre o mundo que vivemos. Concordando ou discordando, torna-se, desde o lançamento, obra fundamental para debater onde estamos na eterna encruzilhada da história. 

Em resumo, minha sedenta leitora e meu ávido leitor: ler é uma chave que abre o mundo e útil, igualmente, quando o mundo perde sentido ou sabor. Leia para mudar tudo, leia para entender o que está acontecendo e leia, enfim, para sobreviver ao naufrágio das coisas e do sentido. As pessoas que amam o mundo e querem mudá-lo devem buscar livros. Aqueles que detestam o mundo necessitam isolar-se, igualmente, lancem-se aos autores. Leia sempre e cada vez mais. Invista em si. Um bom livro aberto é uma lufada de esperança. 

Opinião por Leandro Karnal
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