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Leituras da 'Pauliceia' na web

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Sobre Mário de Andrade, a professora de Literatura Telê Ancona Lopez, especialista em sua obra, teve a felicidade de descobrir a chave de Pauliceia Desvairada, espécie de primeira cartilha da escola modernista, publicada no ano da Semana de Arte Moderna de 1922. Do livro, ela selecionou dois poemas, Inspiração e Paisagem Número 1, que lê para o público na TV Estadão.

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Inspiração é um poema curto e bastante revelador, que começa com uma epígrafe de Frei Luís de Souza (“Onde até na força do verão havia tempestades e frios de crudelíssimo inverno”) para falar, entre outras coisas, da influência cultural francesa na vida da capital paulista. São Paulo é a vida do poeta. Nela, ele respira os perfumes de Paris e experimenta “bofetadas líricas no Trianon”, testemunhando ainda “o galicismo a berrar nos desertos da América”.

Em Paisagem Número 1, o criador de Macunaíma transforma São Paulo numa “Londres das neblinas finas”. Nela, porém, não circulam elegantes guardas da rainha, mas a deselegância da guarda cívica, pronta a baixar o sarrafo e dar voz de prisão a flâneurs como Mário. No “cinzento das ruas arrepiadas”, ele segue, inquieto, com o coração triste e um gosto de lágrimas na boca.

No poema seguinte de Pauliceia Desvairada (não lido pela professora), Mário se insurge contra os representantes da classe social que patrocinaria a Semana de Arte de 1922. Ode ao Burguês é um manifesto contra as “aristocratas cautelosas”, os “barões lampiões”, os “condes Joões” e os “duques zurros” que circulam pela província metida a metrópole, uma provocação aos bons burgueses com suas gorduras e “adiposidades cerebrais”. Ele foi lido, para escândalo da elite que bancou a Semana, no Municipal, chocando a plateia com o irônico retrato que Mário faz dos prósperos descendentes de imigrantes, novos-ricos destinados a gerar filhas que falariam um francês precário.

Considerada a primeira obra de vanguarda do modernismo brasileiro, Pauliceia Desvairada teve sua capa original desenhada por Guilherme de Almeida, que usou uma composição com losangos para evocar a figura do arlequim, retomada na modernidade pelo escritor futurista, pintor e depois militante fascista Ardengo Soffici. O arlequim de Mário beira o patético em seu desvario.

A diferença entre Mário e Soffici, que pregou um retorno à ordem se agarrando às tradições toscanas após a conversão ao fascismo, é que o brasileiro não misturou literatura e política, sendo um pouco avesso a manifestos e escolas literárias. Não por outro motivo, Mário classificou Pauliceia Desvariada como um Alcorão de sonhos confusos e incoerentes.

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