Leia trecho do ensaio 'Sertão: mar e rios de histórias'

Texto de Davi Arrigucci Jr. está no livro 'O Guardador de Segredos' (Companhia das Letras)

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Por Redação
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SÃO PAULO - "Vou tratar de um dos nossos maiores escritores: tarefa difícil, sobretudo de forma breve. Costumo repetir, em situações de aperto como esta, uma frase do Menino (Diadorim) na hora em que Riobaldo fraqueja na canoa, numa das passagens mais notáveis do Grande Sertão: 'Carece de ter coragem. Carece de ter muita coragem". Nosso livro realiza um impulso difuso nos romances em geral, que em grandes obras do século XX se torna ma espécie de marca fundamental: a vocação para a totalidade. Toda vez que pensamos nele, devemos pensar também no Ulisses, de Joyce; no Em Busca do Tempo Perdido, de Proust; no Berlin Alexanderplatz, de Alfred Döblin; no Doutor Fausto, de Thomas Mann; no Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana, de Carlo Emilio Gadda; em algum romance de Faulkner; no Século das Luzes, de Alejo Carpentier, e em poucos outros mais. São obras que tentam dar uma súmula da experiência humana. Essa grandeza é que devo enfrentar. Com certeza, não vou poder dar conta dela; vou apenas ensaiar uma tentativa de leitura, que não é sequer todo o trabalho que tenho sobre o assunto. Vou tentar motivar os que ainda não o leram para que o façam; e para repensá-lo, os que já o leram, procurando estimulá-los para tanto com minha própria leitura.

 

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Penso que, de uma perspectiva crítica, um dos pontos fundamentais do Grande Sertão: Veredas, dessa obra-prima espantosa, é sua forma mesclada. A unidade do grande livro é uma unidade poética, enigmática, resultante de uma mistura ímpar. "Muita coisa importante falta nome", diz o narrador de Rosa, num momento decisivo, e o leitor crítico, diante dele, por vezes terá de dizer o mesmo. Essa unidade, muito misturada, é o que vou trazer à tona.

 

Trata-se de uma mistura de formas: uma mistura linguística no plano da enunciação; depois, outra na caracterização das personagens; em seguida uma mescla de temas - que vai até o imbróglio da sexualidade ou das posições políticas em luta no sertão -, chegando à própria estrutura do enredo como um todo e, por fim, à combinatória dos gêneros literários, envolvendo o lírico, o dramático e o épico."

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