Leia trecho de 'Caderno de um Ausente', de João Anzanello Carrascoza

O escritor João Anzanello Carrascoza, que começou na literatura publicando livros de contos, lança agora seu segundo romance - Caderno de um Ausente. Leia um trecho da obra.

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Por Redação
Atualização:

"Atua história, Bia, é o bem mais precioso que tens, ainda que não venha a ser grandiosa, é a tua história que te dará a medida de estar no mundo, ela é que exorbita ou reduz o teu valor perante ti mesma e perante a misteriosa avaliação dos outros não há como te esterilizar do passado (que veio de mim e de tua mãe e já se aderiu ao teu espírito feito solda), qualquer história, enquanto se desdobra, é um reino de possibilidades, uma história, quando a escrevemos, delineia aquilo que poderia ser, nunca o que foi nem o que é, porque a memória (o passado) só se revigora se a formulamos de novo (no presente), retocando a luz de sua trama com o grafite das trevas, a tua história, Bia, há de ser mais uma cicatriz que se somará a outras nas páginas de rosto da nossa família, e eu te louvo, filha, por aqui estar, fio de água, no broto de tua nascente, pra cumprir o teu curso, e eu te peço perdão, outra vez, por não poder te poupar das chagas que te esperam lá na frente, nem ter o unguento que amenizará a ausência, seja a minha, seja a de quem um dia te abandonar, eu não posso te dizer o contrário, que é possível a gente se curar dos outros – eu, nem de mim, até hoje, me curei –, e é justo, embora seja precoce pra teu entendimento, deixar claro, que é um erro qualquer tentativa de esconder a verdade, ninguém sabe, filha, se o que bebe é água ou vinho, se só um deles provou, e, mesmo assim, há quem soube (e continuará sabendo) transformar um em outro, há quem consiga andar displicente sobre ondas em fúria, há quem consiga serenar a plateia com relatos desesperados (...)"

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