23 de maio de 2014 | 22h30
Poemas
Barroco
Mundo e ego: palcos geminados.
Quero crer que creio
E finjo que creio
Que o mundo e ego
Ambos
São teatros
Díspares
E antípodas.
Absolutos que se refratam/difratam...
Espelhos estilhaçados que não se colam.
Entanto são
Ecos de ecos que se interpenetram
Partículas de ecos ocos, partículas, partículas de ecos plenos que se conectam
Aí cosmos são cagados, cuspidos e escarrados pelo opíparo caos
E o uso do adjetivo está correto
Pois que o caos é um banquete.
Fantasmas de óperas.
Ratos de coxias.
Atos truncados.
Há uma lasca de palco
em cada gota de sangue
em cada punhado de terra
de todo e qualquer poema.
Sargaços
(para Maria Bethânia)
Criar é não se adequar à vida como ela é,
Nem tampouco se grudar às lembranças pretéritas
Que não sobrenadam mais.
Nem ancorar à beira-cais estagnado,
Nem malhar a batida bigorna à beira-mágoa.
Nascer não é antes, não é ficar a ver navios,
Nascer é depois, é nadar após se afundar e se afogar.
Braçadas e mais braçadas até perder o fôlego
(Sargaços ofegam o peito opresso),
Bombear gás do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo
E não parar de nadar,
Nem que se morra na praia antes de alcançar o mar.
Plasmar
bancos de areias, recifes de corais, ilhas, arquipélagos, baías,
espumas e salitres,
ondas e maresias.
Mar de sargaços
Nadar, nadar, nadar e inventar a viagem, o mapa,
o astrolábio de sete faces,
O zumbido dos ventos em redemoinho, o leme, as velas, as cordas,
Os ferros, o júbilo e o luto.
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu
Ou daquela outra que conduz ao mar absoluto.
Só e outros poemas
Soledades
Solitude, récif, étoile.
Através dos anéis escancarados pelos velhos horizontes
Parir,
desvelar,
desocultar novos horizontes.
Mamar o leite primevo, o colostro, da Via Láctea.
E, mormente,
remar contra a maré numa canoa furada
Somente
para martelar um padrão estóico-tresloucado
De desaceitar o naufrágio.
Criar é se desacostumar do fado fixo
E ser arbitrário.
Sendo os remos imateriais
(Remos figurados no ar pelos
círculos das palavras.)
Música
De Volta Para o Futuro
Em matéria de previsão eu deixo furo
Futuro, eu juro, é dimensão
Não consigo ver
Nem sequer rever
Isto porque, no lusco-fusco
Ora pitomba,
Minha bola de cristal fica fosca
Mando bola no escuro
Acerto o tiro na boca da mosca
Ouras tantas giro a Terra toda às tontas
Dobro o cabo das tormentas, rebatizo Boa Esperança
E vou pegando pelo rabo a lebre de vidro,
Do acaso por acaso
Em matéria de previsão só deixo furo
Futuro, eu juro, é dimensão
Vejo bem no claro
E tão mal no escuro
Minha vida afinal navega tal e qual
Caravela de Cabral
Um marinheiro mete a cara na janela e grita
Sinal de terra, terra à vista
Tanto faz, Brasil ou Índia Ocidental, Oriental
Ó sina, começa sempre a dança
Recomeça, sempre recomeça a dança da sinuca
Sempre recomeça a dança a mesma dança da sinuca vital
Assaltaram a Gramática
Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
meteram poesia
na bagunça do dia a dia
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Meteram poesia
onde devia e não devia
Lá vem o poeta
com sua coroa de louro,
Agrião, pimentão, boldo
O poeta é a pimenta do planeta
(Malagueta!)
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