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Leia poemas da israelense Tal Nitzán

A poeta israelense Tal Nitzán tem seu trabalho reunido pela primeira vez em livro no Brasil. Leia a seguir quatro poemas traduzidos por Moacir Amâncio para O Ponto da Ternura, que está sendo lançado pela Lumme:

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Por Redação
Atualização:

amor

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em pleno verão malignoo quarto repletodo delicado outonoCoisa silenciosa

Nada mais silenciosodo que os golpes que se abatem sobre os outros,não há ameaça mais inofensivaà nossa paz de espírito satisfeito.É muda a derrota nos seus olhos,os seus braçospermanecem imóveis.Que silêncio agradável.A não ser por um ruído agudo, penetrante,que perturba sobretudo pela manhã,mas pode-se abafá-lo facilmentecom o sussurro relaxante das folhas do jornal.Antes que se amontoem as ruínas sobre elesjá estarão sepultadas sob o suplemento de variedades,a xícara de café pela metade,a batida de portaem nossa casa,que continua em pé.*Quem nasceu sem uma língua mãecaminhará o resto da vidaem sua própria trilhaLevará o porão na cabeçasua casa não saberáqueé a casa dela.Às vezes um pássaro mortopousará aos seus pésfingindo uma sedutora folha de outonoA bala de outros tempos derrete em sua línguao prego enferrujado ainda está em sua gargantaquem nasceu sem uma língua mãe,já não soltará a língua de menina.Em que terra (fragmentos)Eu não conheço todos os que amassam minhas faces, remexem meus cabelos, molham meu rosto de beijos. Este é um porto, o navio que se ergue sobre nós é igual a uma montanha, e ainda que faça calor vestiram-me com um casaco de capuz igual ao da Chapeuzinho Vermelho. Chocada, eu observo minha avó. Até hoje eu achava que só as crianças choravam.*Esta é a primeira coisa que descobri sobre a cidade nova: os prédios são colados uns aos outros, uma peça só, como um bando de crianças que impedem o caminho a um garoto cercado na calçada. A segunda coisa: também chove no verão. *Eupreparo a sentença na cabeça e verifico se lembro as palavras e se sou capaz de expressá-las todas da maneira correta (é preferível palavras sem R). A conversa já seguiu adiante. *Olhos arregalados durante a siesta. O cobertor está apertado em mim e preso sob o colchão. Jamais ficarei tão desperta. Proibido levantar, protestar, falar alto, fazer-se ouvir. Proibido. Espero pelas quatro horas. De repente, um prego enferrujado no parapeito da janela. Eu o pego, coloco-o na língua. Engulo. Agora quero gritar, mas nenhuma voz me sai da garganta. *Eu contenho o impulso, estendo as mãos. Não fosse a vizinha delatora que acenou para mamãe pela janela, e mamãe que correu da cozinha e me arrancou do peitoril do terraço, teria conseguido pular. *Depois que todos os assuntos tinham sido espremidos até o fim, a conversa em volta da mesa morreu. Todos colam os olhos em mim, na criança. Esta criança é gaga e teimosa. Ela não os salvará. *- Você lembra que uma vez entrou uma víbora no jardim de infância?- Não. Eu tinha medo só dos meninos.*Eu me sento na margem da piscina, agito os pés na água funda. Alguém me empurra para dentro. Talvez não tivesse empurrado caso soubesse que eu não sei nadar, penso indo para baixo. Vou a pique até os dedos dos meus pés atingirem o fundo e então eu subo. Tiro a cabeça da água e sei que agora eu devo gritar “socorro!”, antes de afundar de novo, mas esqueci em que país estou e em que língua eu preciso gritar.História curtaEntre nós já não há quem se lembrehá quanto tempo esperamospela onda branca e cega que apagará oque basta lembrar para que voltea nos apertar o peito de manhãe a traqueia à noite.Porque o enxame de formigas repelidovolta a enegrecer nossa casa, e a água ferventedas xícaras de porcelana atinge nossos rostos,e facas, enjoadas da carne dos morangos,agora procuram os dedos.Quando se acalmarão os pedaços de papel que circulam pelo ar, se aquietarãono pó inúteis farrapos de sortilégio?O que soava como chuva era o lixo da construçãojogado num monte de detritos,o que soava como um gemido era um gemido,há tempos precisamos de uma nova desgraçapara acabar com o que sobrou da nossa desgraça. 

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