PUBLICIDADE

Leia mentiras e descubra verdades

Falada já e dose. Escrita, então... A mentira preto-no-branco parece constituir a prova cabal da caradura do seu autor. É bem verdade que, muitas vezes, o mentiroso acredita piamente na própria lorota. Vide dois casos do fundo do baú: "Minha Luta" e "Enciclopédia Nossa Vida Sexual".

Por Agencia Estado
Atualização:

São Paulo - Em "Minha Luta" ("Mein Kampf"), Adolf Hitler despejou sem dó seu discurso anti-semita, carregado de sofismas. Para saber que os judeus eram inferiores, escreveu ele, bastava olhar para a sua constituição corporal. Chegou ao ponto exaltar o grande serviço prestado pelas bermudas e camisetas - em contrapartida às calças e casacos -, que deixavam patente tal inferioridade. O assunto do médico Fritz Kahn era outro. Em sua jurássica "Enciclopédia Nossa Vida Sexual", há um baú de pérolas que vão da correspondência do tamanho do nariz ao do falo até a origem do corrimento vaginal: espécie de "resfriado" da vagina, deveria ser evitado através de procedimentos simples, como poupar os pés do chão frio e da umidade. Destaque para as condições ?sine qua non? para um casamento feliz: a mulher deve evitar escolher para esposo um homem bêbado, assim como o homem deve evitar a mulher que não saiba cozinhar. Então tá. Verdades Saindo do achincalhe, as páginas dos livros costumam perdoar e aceitar mentiras de todas as espécies. Na literatura decente, mentira chama-se ficção. E, na escrita de Mario Vargas Llosa, "na ficção, a mentira deixa de sê-lo, porque é explícita e sem rebuços, se mostra como tal desde a primeira até a última linha". Em "Vozes do retrato ? Quinze Histórias de Mentiras e Verdades" (Editora Ática, 60 págs.), Dalton Trevisan usa a mentira para dizer verdades. Através de 15 contos ficcionais protagonizados por personagens comuns, absolutamente verossímeis, o escritor paranaense mostra quão tirana pode ser a vida e as relações humanas. Trata-se da imaginação apresentando "a realidade como ela é". Já Reinaldo Arenas moldou, em "O Mundo Alucinante" (Editora Record, 304 págs.), uma fantástica amálgama de fatos e devaneios ao contar a história do teólogo, escritor, dissidente político e religioso Servando Teresa de Mier, nascido em 1763, em Monterrey, México. Arenas (retratado no filme "Antes do Anoitecer", em cartaz no Brasil) buscou a fundo informações sobre o frade. Foi a museus, bibliotecas e embaixadas. No final das contas, como anotou no prefácio, descobriu que ele e Servando eram a mesma pessoa. Na cabeça dele, claro. O escritor cubano, que sempre desconfiou "do ´histórico´, desse dado ´minucioso e preciso´", não se deteve na questão menor de definir "O Mundo Alucinante" como obra ficcional ou realista. "Esta é a vida de Fr. Servando Teresa de Mier, tal qual pôde ser, tal qual eu teria gostado de que tivesse sido. Mais que romance histórico ou biográfico, pretende ser, simplesmente, romance", sentenciou. Confessou que inventou, sim. Mas as mentiras, aqui mais para ingênuas e honestas quimeras, deram um bom prato. É de pequeno que se entorna o caldo Em "Mentiras que parecem verdades" (Summus Editorial, 134 págs.), Umberto Eco e Marisa Bonazzi mostram, através da análise de variados livros didáticos, que nos deparamos com mentiras no papel desde a mais tenra idade. O que é grave a valer, dada a potencial participação desses "equívocos" na formação da criança. O livro refere-se a manuais de italianos, principalmente de iniciação em leitura, mas vale para muitos textos que freqüentam as salas de aula brasileiras. "Somos pródigos em nosso Festival das Besteiras que Assolam o País ? FEBEAPÁ", resume Samir Curi Meserani na apresentação da obra. "(...) Enquanto Lalá corre atrás de Lelé, Xerxes joga xadrez, Zeca toca Zabumba (...), a professora sorri. Seu rosto afável esconde o salário da fome e a submissão ideológico-curricular. De resto, professores, metalúrgicos e outros trabalhadores não entram em greve nas cartilhas", prossegue. Eco e Marisa dividem por temas a abordagem da distância entre o maravilhoso mundo dos livros didáticos e a realidade que teima em rodear a criança. Citam o pobre, um fenômeno natural, que existe por si só, sem causas ou origens; o trabalho, cujos personagens ainda são o camponês, o marceneiro, o ferreiro, por cuja opção pesa o aspecto moral ("em contraposição aos vagabundos que não trabalham"); a Pátria, uma entidade abstrata, totalmente dissociada dos cidadãos que a compõem; a família, sempre idealizada, feliz, por mais marcada que esteja pela "extrema mas decorosa pobreza" e por aí vai. É a perpetuação do mais genuíno antagonismo a Paulo Freire. Anti-lábia Para quem fareja as coisas no ar, mas não tem certeza de que estão lhe passando a perna, "Psicologia da Mentira ? Nunca Mais Seja Enganado" (Editora Market Books Brasil) é o livro. Nele, o Ph.D. em comportamento humano David J. Lieberman ensina "como descobrir a verdade em 5 minutos ou menos em qualquer conversa ou situação". Entre os oito capítulos, destacam-se "Sinais de uma mentira", "Torne-se um detector de mentiras humano", "Táticas para detectar uma mentira e obter informações em conversas casuais" e "jogos mentais". Este último traz duas técnicas que, garante o autor, oferecem resultados extraordinários. "Ao utilizar a primeira delas, praticamente ninguém poderá mentir para você", assegura. O problema é esse "praticamente". Tá querendo me enganar, é? Eis algumas dicas que, segundo Liebarman, servem para desmascarar um loroteiro. Classicamente, quando o interlocutor evita olhá-lo nos olhos, tem coisa. Geralmente é uma mentira. Quem mente ou oculta algo tende a ser menos expressivo com mãos e braços; por vezes mantém os dedos das mãos encolhidos. Levar a mão ao rosto quando se responde a uma pergunta ou se afirma algo é uma bandeira e tanto. Quando se finge uma emoção, a expressão limita-se à área da boca. Quando alguém tentar lhe convencer de algo, haverá pouco ou nenhum contato físico. O mentiroso tende a colocar objetos entre ele e seu interlocutor. Quem mente utilizará as palavras de quem o ouve para afirmar seu ponto de vista, e continuará apenas acrescentando informações até que o ouvinte se convença. Evitar responder, pedindo para o outro repetir a pergunta, ou responder com outra pergunta é o mesmo que escrever "pega na mentira" na testa. Lorotas jornalísticas Na Irlanda o "Dia dos Tolos" é uma instituição nacional. Há alguns anos, o principal jornal de Dublin publicou uma nota na primeira página, nesse dia, informando aos leitores que as páginas centrais haviam sido impressas experimentalmente com uma tinta perfumada. Mentirinha, claro. Na edição seguinte, dezenas de fotos mostravam leitores com a cabeça mergulhada no jornal, tentando sentir o aroma especial. Há alguns anos, o jornal "Diário do Povo", de Campinas (SP), circulou com uma primeira página na qual todas as notícias eram falsas. O PT teria formado aliança com o PMDB; um dos maiores representantes do latifúndio brasileiro (senador Lúdio Coelho, do PSDB) dividiria suas terras com o MST; um time local teria goleado o Corinthians em São Paulo; um boi "falaria" na Expogrande, feira agropecuária. Nas páginas internas, explicava-se que tudo não passava de uma brincadeira. Afinal, era 1º de abril.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.