23 de maio de 2014 | 21h00
Sobre a completude das histórias de amor enquanto ainda no ar
Uma mulher estava jogando livros pela janela do terceiro andar. Toda a rua parou para contemplar o espetáculo de uma torrente de livros girando pelo ar e se espatifando na calçada, e para escutar o doce murmúrio das folhas (as vogais dos livros de poesia conseguiram sobreviver, mas isso já é outra história). E só o marido dela – que lá estava, de pé e impotente na calçada em frente – percebeu que, em consideração a ele, ela pelo menos os jogava em ordem alfabética.
Anarquista
O filhote de gato sequer tinha os olhos abertos quando o recolheram da rua, e o veterinário não lhe deu muitas chances de sobrevivência. Eles insistiram. Mesmo vinte anos depois, quando estava cego outra vez, como quando ainda mamava, toda manhã achava um jeito de se esgueirar por baixo do cobertor e mordiscar os pés deles. O nome que tinham escolhido para ele era adequado: gostava de destruir toalhas de papel, de dar novos formatos a roupas de baixo e de arranhar capas de discos de vinil que eles nunca tiveram coragem de jogar fora. Continuavam a morar na mesma casa para onde o haviam trazido. E o anarquista nunca aprendeu a falar a língua dos homens.
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