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Leia a íntegra da entrevista com a escritora Reyes Monforte

Autora diz que não pediu autorização para Maria José Carrascosa, personagem retratada em 'Amor Cruel', que acaba de ser lançado no Brasil

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Como surgiu a ideia do livro?

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Quando vi a notícia na imprensa espanhola, me chamou a atenção. Parecia uma história de cinema: uma mulher jovem, moderna, inteligente, advogada, vivendo um sonho pessoal e profissional no país que tanto idealizava e de repente tudo vem abaixo e seu sonho se converte em pesadelo. Dos últimos anos de sua vida, a única verdade parece ser sua filha de 7 anos, por quem ela decide enfrentar seu marido, o sistema judicial americano e a prisão. Pensei que essa história merecia mais do que uma hora de entrevista, como a que fiz no programa de rádio que eu dirigia e apresentava e achei que a história tinha muitos detalhes que mereciam ser contados. E assim o fiz.

Como jornalista, você poderia ter feito um bom livro-reportagem. Por que optou pela ficção?

Amor Cruel é mais realidade do que ficção. É, na verdade, um livro em forma de reportagem ficcional. Usei documentos oficiais, nomes reais, cidades, datas. É mais arriscado porque corre-se o perigo de os protagonistas não ficarem satisfeitos porque você contou mais do que devia ou menos, mas acho que isso é justo com o leitor. Uma vez mais a realidade supera a ficção. Por que recorrer, então, à ficção se a realidade ultrapassa com folga a imaginação mais exagerada? 

Por que manter os nomes e detalhes do processo se este é um livro de ficção?

Queria que a história de Maria Jose ficasse conhecida e que ninguém cogitasse que ela era simplesmente fruto da imaginação da autora. Queria que soubessem que a história é real e que por trás daquela personagem existe uma mulher de carne e osso. Assim, poderiam se mobilizar e se envolver no caso. Pelo que ouvi de leitores, deu certo. 

O que há de ficção em seu livro?

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A forma romanceada como ele foi escrito. A história de Amor Cruel é complicada de narrar e fazer chegar ao leitor como uma reportagem. Havia muitos documentos e sentenças judiciais que deveriam ser colocados de maneira simples para que o leitor pudesse compreender sem se perder na linguagem jurídica.

Qual foi seu método de trabalho?

Pesquisei em fontes diversas. Falei com Maria José, sua família, amigos, pessoas que a conheceram na prisão etc. Muitas vezes me encontrei com gente que não quis falar e respeitei a decisão. 

Chegou a falar com Peter Ianni ou seus familiares?

A versão do marido está no livro. Há declarações dele na imprensa espanhola, poucas e sempre as mesmas. Ele optou pela desclassificação, ameaças e insultos e eu preferi focar na história dela mesmo com várias versões. 

Como o caso foi recebido na Espanha?

A população se interessou muito pelo caso, mesmo antes do livro. Mas ele também tem interessado a pessoas de todos os países porque a história é universal, com temas como amor, ódio, família, vergonha e rancor.

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Há muita informação a favor e contra Maria José na internet. Por que escolheu o ponto de vista dela? 

Maria José é a vítima e seu lado era o que me interessava. É desmedido que uma mulher, ou qualquer pessoa, viva há seis anos na prisão sem ter matado ou prejudicado ninguém e cuja única ação tenha sido tentar proteger sua filha. É verdade que ela pode não ter escolhido os melhores meios, como sentenciou a justiça americana, mas não se pode esquecer que a justiça espanhola deu razão a ela. O que chama a atenção é como a justiça de dois países encara os fatos de maneira tão diferente. Não me soa muito lógico. Mas no livro estão todas as versões para que o leitor escolha a sua.

Você acredita que tudo seja verdade?

Creio que cada um tem a sua verdade, e me limito a contar os fatos para que cada um tire suas próprias conclusões. Mas de qualquer forma, quando um casamento termina cada uma das partes diz verdades e mentiras que vão a seu fazer e contra o outro. Suponho que isso também tenha acontecido aqui. 

Em uma entrevista ao El País, Maria José disse que não havia autorizado a publicação do livro e que processaria a autora e a editora. Como você recebeu a notícia? 

Sua história é pública e acompanhada pelos meios de comunicação por muito tempo antes do livro. Não precisamos de autorização dos protagonistas - nem de Maria José, do ex-marido ou da família - embora ela tenho insistido em dar. Eu não pedi a autorização e não precisava dela. Foi a família, inclusive, que me ajudou a ter acesso a toda a documentação do caso. Eu pedi para que me dessem entrevista e eles deram - e sabiam para o que era. Alguns me procuraram para falar e outros optaram por não participar. A história está aí e eu a contei como muitos outros já contaram. E ninguém me processou por isso. 

Ela leu seu livro?

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Segundo me disse sua irmã, sim. Mas depois do livro eu não tive mais contato com ela. Nunca mantenho o contato com os protagonistas dos meus livros porque ajuda na objetividade da história.

Se Peter não se interessava com a família - tanto que a abandonou, por que tanto empenho em destruir a vida da ex-mulher, a ponto de acusá-la de sequestro da própria filha e levar adiante um processo longo que terminaria com a condenação dela e ao abandono, na Espanha, da menina?

Só ele tem essa resposta. Ele nega tudo o tempo todo. Como coloco no livro, ele diz que é tudo mentira, mas aí está a realidade: Maria José está presa e sua filha vive com os avós na Espanha. Se o que querem é a felicidade da menina, ninguém pode estar feliz com o fim da história. Ela e a mãe estão pagando o preço mais alto. Entre o amor e o ódio há um passo. E se todos chegam a fazer tudo por amor, também fazem tudo por ódio. A história da humanidade está repleta de exemplos disso. 

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