Krysztoff Penderecki e o moderno domesticado

Disco traz dois recentes concertos do compositor que, incendiário nos anos 50, transformou-se em bombeiro

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Por JOÃO MARCOS COELHO
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O compositor polonês Krysztoff Penderecki, hoje com 80 anos, começou sua carreira radical nos anos 50, mas nas últimas décadas retrocedeu como um caranguejo. O incendiário de meio século atrás transformou-se num bombeiro da neotonalidade. As sonoridades não são tão escancaradamente retrô; Penderecki é um mestre da orquestração, combina trechos convencionais (e bem construídos, diga-se) com abruptos choques sonoros de alturas indeterminadas (os famosos "clusters" dos anos 60). Estamos diante de uma modernidade domesticada, mantida em cativeiro de luxo. Por isso, Penderecki é cada vez mais incensado pela opinião pública. O viés que o conduziu a esta postura foi religioso. Cada vez mais mergulhado no caldo de cultura místico de seis colegas do leste europeu, enveredou pelas criações sacras (o Réquiem Polonês, As Sete Portas de Jerusalém, Te Deum, Paraíso Perdido e Credo). Há compositores que se reinventam passo a passo; outros preferem fazer da maturidade seu berço esplêndido. Penderecki pertence ao segundo grupo, mas continua extraordinário em sua prodigiosa imaginação criativa.O último exemplo em data desta atitude conservadora está no recém-lançado CD que traz dois concertos: um para piano e orquestra, escrito em 2001 e revisado em 2007, com Barry Douglas e a Filarmônica de Varsóvia regida por Antoni Witt, que prevê grande orquestra, com reforços nos sopros e exuberante bancada de percussão. O concerto para flauta é de 1991, e foi composto para Jean-Pierre Rampal e a Orquestra de Câmara de Lausanne (aqui o solista é o polonês Lukasz Dlugosz).Penderecki apelidou o concerto para piano de Ressurreição por causa de um tema gregoriano que remete ao 11 de setembro de 2001 (a primeira versão estreou em maio de 2002 em Filadélfia, com Emanuel Ax e Wolfgang Sawallisch). Ele aparece sub-repticiamente no início e permeia seus 10 movimentos, até ocupar todos os espaços no clímax final. É um concerto em linha de sucessão dos de Rachmaninov e Prokofiev. Estrutura-se em cinco pares de movimentos rápido-lento. Começa num allegro molto sostenuto tonitroante e conclui com um adagio de início resignado que conclui em clamor excitado. É obra expressiva em sua produção. Recebe aqui uma interpretação de excelente nível, graças ao pianismo virtuosístico de Barry Douglas e às largas forças instrumentais da Filarmônica de Varsóvia, regidas com segurança por Antoni Witt.B. DOUGLAS E L. DLUGOSZPENDERECKI: CONCERTOSNaxos, US$ 7 (download)

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