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Konder mata "Rambô" em Guariroba

Por Agencia Estado
Atualização:

Citações gastronômicas em profusão, mas não se trata de homenagem a Nero Wolfe, um personagem insaciável, apreciador de iguarias, criado pelo escritor Rex Stout. Epígrafes de autores clássicos antes de cada um dos sete capítulos, mas o texto não é construído de forma rebuscada. Finalmente, o poeta Arthur Rimbaud dá nome ao livro, mas o personagem já está morto quando o texto inicia. O filósofo Leandro Konder resolveu pregar uma divertida peça ao escrever A Morte de Rimbaud, livro da coleção Literatura ou Morte da Companhia das Letras. A diversão contrasta com a tentativa de seriedade do francês Pierre Michon que, com Rimbaud, o Filho, exagera ao tentar fazer poesia (poesia em prosa, má poesia além disso) sobre a obra de Rimbaud. A série pretende ser extensa graças aos colaboradores: escritores famosos foram convidados pelo editor Luiz Schwarcz para transformar em personagens de romance policial algum ícone literário de sua predileção. Assim, além de Konder, o argentino Alberto Manguel publicou Stevenson sob as Palmeiras, Rubem Fonseca é responsável pelo terceiro volume com seu O Doente Molière. Neste mês, Bernardo Carvalho revela sua história com o Marquês de Sade e, em junho, Moacyr Scliar fará Kafka encontrar-se com Trotski. "Na verdade, a coleção começou depois que o Luiz leu o romance policial que escrevi em 1995", revela Konder, notório pelas obras em que analisa a vida e obra de Marx, Freud e Kafka. "Para mim, foi extremamente saudável, pois representou um agradável exercício de estilo, depois de escrever tantos ensaios". Com liberdade, Konder conseguiu divertir-se ao compor seu romance, marcado por uma série de pequenas surpresas reveladas ao longo do texto. A começar pela escolha do personagem principal, o poeta francês Rimbaud. "O motivo é que sua poesia sempre me fez remeter às lembranças dos tempos de faculdade", justifica o filósofo, que homenageia ainda outros pensadores franceses ao longo do texto (Rousseau, Claudel, Aragon e Malraux). A trama segue a clássica linha dos romances policiais - um milionário apaixonado por literatura francesa resolve sustentar cinco escritores que julga talentosos. Passa a chamá-los pelo nome de grandes autores franceses, mas aportuguesados: Rambô, Aragon, Russô, Maurô e Cláudio. O milionário oferece-lhes ainda uma polpuda verba mensal e despacha-os para um hotel em uma cidade chamada Guariroba, provavelmente no interior do Rio de Janeiro, em mais um exercício de imaginação do autor. No início da história, Rambô é encontrado morto e para lá segue o detetive Sdruws, encarregado de solucionar o caso, também a mando do milionário. Ao desenrolar a série de suspeitos (todos, de alguma forma, têm motivos de sobra para ter cometido o assassinato), Konder aproveita para brincar com a história e deixa que seus personagens troquem uma série de difamações indignas. Maurô, por exemplo, descreve Russô como "um versejador pornô ordinário, autor de poeminhas e metáforas fedorentas". A resposta não é menos virulenta: "(Dono) de uma vaidade colossal, que se combina com uma ingenuidade que chega às raias da cretinice". Em nenhum momento, porém, os disparos caluniosos refletem o pensamento do filósofo. A estrutura do romance também parodia fórmulas clássicas com a história sendo contada em primeira pessoa pelos personagens alternadamente, como se registrassem em um diário suas impressões. "Optei por essa forma porque não consegui um tom adequado com um narrador onisciente", justifica Konder. O enredo também dura uma semana, começando em uma segunda-feira e concluindo no domingo, quando finalmente é revelado o autor do assassinato. O filósofo aproveitou para fazer uma série de referências pessoais, notadas apenas por amigos próximos. Como a escolha do nome da cidade fictícia, Guariroba - trata-se do nome de uma fazenda, em Campinas, que despertou a atenção de Konder. Já o estranho detetive Sdruws recebeu tal alcunha a partir de um personagem inventado pelos colegas do filósofo no Departamento da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. "Quando surgiam problemas complicados, dizíamos que a solução viria de um diretor mais importante que o próprio reitor, mas inacessível: Sdruws", diverte-se Konder. E as citações que abrem cada capítulo são uma homenagem ao economista Roberto Campos, exímio em epígrafes. Finalmente, as referências gastronômicas, apesar de lembrar o Nero Wolf de Rex Stout, foram inspiradas no espanhol Pepe Carvalho, personagem glutão que dispõe de mordomo em casa só para ser bem servido. "Foram seis meses construindo o texto, período em que as idéias matavam-se umas às outras até finalmente chegar o enredo final", conta. "Mas foi gratificante porque escrever um ensaio é algo um tanto previsível". A Morte de Rimbaud. De Leandro Konder. Coleção ´Literatura ou Morte´. Companhia das Letras. 159 páginas. R$ 22 00.

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