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Julian Barnes discute relação amorosa

Personagens se dirigem ao leitor, como se fosse ele o juiz incumbido de avaliar as questões apresentadas ao longo de Amor, Etc.

Por Agencia Estado
Atualização:

O escritor Julian Barnes, um dos mais festejados na Inglaterra, encantou seus leitores quando publicou, em 1991, o romance Em Tom de Conversa (Rocco). Ali ele apresentava os amigos Oliver, boêmio irresponsável mas espirituoso, e Stuart, bancário gorducho e sem imaginação, que disputaram o amor da restauradora de quadros Gillian, que se decidiu pelo primeiro tão logo retornou da lua-de-mel com o segundo. Segundo um crítico empolgado, tratava-se de uma "história tonificante, que tratava de uma forma simultaneamente primitiva e sofisticada das diversas maneiras de contar as histórias de nossas vidas". A obra até rendeu uma versão cinematográfica, Love, Etc., dirigida por Marion Vernoux, em 1996. O livro foi generosamente recebido pelo público, que começou a fazer insistentes perguntas sobre o destino dos personagens. Ao perceber que ele próprio se questionava sobre o assunto, Barnes decidiu contrariar um de seus preceitos e escrever a continuação de Em Tom de Conversa. "Jamais gostei de seqüências, mas, na verdade, a curiosidade também me perseguia", disse ele à reportagem, em uma entrevista publicada em 2000. Naquela época, Barnes lançou na Inglaterra a continuação que recebeu o mesmo título dado à versão cinematográfica: Amor, Etc. (Rocco, 208 páginas, R$ 25), obra que chega agora ao mercado brasileiro. Dessa vez, o autor buscou uma narrativa mais rebuscada, construída pelas vozes dos seus protagonistas, que fornecem versões diferentes dos mesmos fatos, devido às diferenças de personalidade entre eles. O curioso é que as vozes não formam um diálogo, mas se dirigem ao leitor, como se coubesse a ele o papel de juiz para avaliar as questões que se apresentam ao longo do texto. O mérito do recurso é evidenciar as contradições dos pensamentos dos narradores. O tom ligeiramente caótico deixa o leitor pouco à vontade, emocional e intelectualmente, de um modo que o livro anterior de Barnes não conseguiu. Mais interessado nas relações que fracassam que nas de sucesso, o escritor acredita que a maioria dos casos amorosos fracassa pela intervenção de uma terceira pessoa. Se na primeira obra a verborragia de Oliver dominava a ação, dessa vez cabe a Stuart comandar a ação e oferecer uma teoria que combate a idéia que o amigo-oponente faz do amor. "Mas não há nada de pessoal na história", alerta Barnes em entrevista, por e-mail, à reportagem. Agência Estado - Stuart afirma, em um determinado momento do livro, que a "América representa o exagero de tudo o mais". Essa observação tem algo de pessoal? Julian Barnes - Bem, concordo inteiramente com o que dizem meus personagens - o que seria fatal para um autor, usá-los como porta-voz. Eu diria que Stuart está perfeitamente correto - os Estados Unidos são um país onde todas as tendências peculiaridades e particularidades são trabalhadas segundo a lógica local e com extremo exagero. A extensão, a riqueza e o poder obviamente, mas não é só isso. Em termos humanos, os americanos são muito diferentes dos europeus, na minha opinião. Enquanto para os europeus o senso dos limites externos da personalidade e do comportamento é ditado pela sociedade, para os americanos é pela própria ambição. Você pode expandir sua personalidade na mesma proporção em que expande seus investimentos. Claro que é um absurdo e ao mesmo tempo trágico e grosseiro. Em outra frase, Stuart afirma: "A confiança inspira a traição." Novamente, concordo com ele. A traição vem em diferentes formas, mas o traidor que nos repugna e horroriza tende a ser aquele ao qual depositamos muita confiança - em relacionamentos próximos, logicamente. Não existe uma traição verdadeira sem uma confiança absoluta. E há, talvez, algo nessa confiança completa que quase sempre incita a traição. É como, quando se é criança, não suportar ver um trecho intocável de neve ou areia sem ter a vontade irresistível de marcá-lo com os pés. Stuart ainda refere-se ao casamento como o mais complicado empreendimento humano - ele o trata como o desafio final. Esse Stuart é um cara sensato, não? Creio que é a principal aventura para muitas pessoas. Voltaire dizia: "Casamento é a única aventura aberta à covardia." Mas, como ele nunca se casou, como sabia disso?

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