Judy Garland perfeita

O dramaturgo inglês Peter Quilter foi ao Rio acompanhar o sucesso de Judy

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Por Ubiratan Brasil
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O inglês Peter Quilter é um sujeito falante: qualquer assunto é motivo para uma conversa animada. O dramaturgo, no entanto, ficou sem palavras quando assistiu à performance da atriz Claudia Netto no musical escrito por ele, Judy - O Fim do Arco-Íris, em cartaz no Rio. "Mesmo não apresentando o mesmo perfil físico, Claudia é a própria Judy Garland quando está em cena", comentou Quilter, depois de recobrar o fôlego. "Na verdade, das versões que já vi do espetáculo em 12 países, esta é a melhor desde a montagem de Londres."Judy - O Fim do Arco-Íris acompanha as últimas semanas de vida da atriz e cantora Judy Garland (1922-1969), quando tentou reerguer a carreira em uma turnê em Londres. Mas, mesmo debilitada, ela ainda exibia uma verve incomparável, além de uma força descomunal para fazer apresentações memoráveis. "Em cena, vemos uma mulher em meio a uma tempestade, pois ainda acredita em seu talento, mas sente a fragilidade cada vez maior por causa da dependência do álcool e de remédios", observa Quilter.Ele foi ao Rio acompanhar a montagem brasileira. E ficou fascinado não apenas com a ficção mas também com a realidade - adorou o caos do trânsito, a despreocupação do carioca, a forte presença da natureza na cidade. "Pode parecer um clichê, mas há, de fato, uma opção pela vida e pelo bem estar em seu País", disse o dramaturgo ao Estado, por telefone, contando ainda como surgiu o fascínio por Judy. "Sempre fui fã da carreira dela, mas o que me mais me espantava era a resistência que marcou seus últimos dias."Quilter conta que uma das qualidades da versão brasileira de Judy, concebida por Charles Möeller e Claudio Botelho e produzida pela Aventura Entretenimento, era não apostar apenas na tragédia. "Charles e Claudio não cometeram o erro de outras montagens estrangeiras, que viram o texto apenas como uma tragédia - trata-se, na verdade, de um entretenimento, o que exige mostrar aquele humor afiadíssimo e desbocado que era característico de Judy Garland."Ao assistir à montagem que está em cartaz no Teatro Fashion Mall e depois de conhecer um pouco da alma brasileira, Quilter percebeu que o acerto era inevitável. "É verdadeira a crença de que vocês conseguem manter o humor mesmo nos piores momentos, o que é justamente o cerne do meu texto: ainda que debilitada, Judy não entrega os pontos, tampouco se transforma em uma mulher deprimida."Para escrever a dramaturgia, Peter Quilter (autor também de Gloriosa, estrelada aqui por Marília Pêra sob a direção de Möeller e Botelho) não fez uma exaustiva pesquisa nem se preocupou com a veracidade dos diálogos da peça. Seu interesse era revelar emoções e não datas e fatos. "Usei apenas algumas palavras realmente ditas por Judy Garland, mas, em geral, busquei o espírito de seu humor, que era devastador."Para reforçar sua opção dramatúrgica, Quilter lembra que a figura de Anthony (vivido por Gracindo Junior), o velho amigo pianista, é fictícia. Em determinado momento da escrita, explica ele, sentiu a necessidade de unificar em um personagem os fãs mais apaixonados da cantora, que eram os gays. "Anthony personifica aqueles que sempre acreditaram em Judy", comenta.O outro personagem em cena, o jovem Mickey Deans (interpretado por Igor Rickli), era real e foi o último marido de Judy Garland - gerente de um clube noturno, Deans conheceu a cantora em 1968, quando estava com 27 anos, e se tornou seu empresário na turnê londrina. Apesar da pouca experiência, ele optou por um método espartano, evitando que a cantora se embriagasse e, principalmente, se valesse do coquetel de comprimidos que a ajudavam tanto para dormir como acordar. Ao final, porém, quando percebe que sem isso Judy não conseguia cumprir a série de shows, Deans a incentiva a retomar os vícios.Anthony e Deans não conseguiriam realmente salvar Judy Garland? "Não sei dizer com precisão", observa Quilter. "O certo é que ela cometeu muitos erros ao escolher seus maridos: não todos, mas a maioria não a ajudou nos momento mais delicados. Talvez se Judy tivesse encontrado alguém que lhe oferecesse um amor incondicional e lhe garantisse segurança total, quem sabe o destino fosse outro." Depois de uma pausa em que os devaneios se dissolvem, o dramaturgo parece voltar à realidade. "Na verdade, ela era cercada por demônios muito poderosos: as pílulas. Por conta disso, era impossível pensar em salvação."Quilter, que viu quatro vezes a montagem brasileira, aprovou a inclusão de uma canção nacional, Insensatez (de Tom e Vinícius), na versão em inglês de Norman Gimbel. "Fiquei maravilhado com o público, que reconheceu a canção e cantava baixinho, em português." As constantes ovações, aliás, especialmente para Claudia, deslumbraram o inglês. "Se por acaso eu ainda tivesse alguma dúvida sobre o sucesso do espetáculo, aqui não teria mais."

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