Joyce DiDonato revela técnica precisa e musicalidade ímpar em recital

A meio-soprano americana se apresentou na Sala São Paulo na noite da última segunda-feira, 03

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Por Redação
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Crítica: João Luiz Sampaio Avaliação: Ótimo No universo das quase quarenta óperas do italiano Gioacchino Rossini, Otello, estreada em 1816, nunca chegou a ser um grande sucesso. O próprio compositor tem sua parcela de responsabilidade: ele faz de Iago, por exemplo, um personagem secundário - indício suficiente da qualidade duvidosa de sua adaptação da peça de Shakespeare, ainda mais em comparação com o que Verdi faria oito décadas mais tarde. Ainda assim, a ópera é símbolo da busca por uma nova ideia de drama musical, da qual a ária Assisa appiè d'un Salice é exemplo bem acabado, em especial na interpretação de uma cantora como a meio-soprano americana Joyce DiDonato. É difícil escolher o ponto alto de um recital como o que ela fez na noite de segunda na Sala São Paulo, capaz de, em pouco mais de uma hora de música, criar tantas e tão distintas paisagens sonoras sobre o palco, acompanhada do pianista David Zobel. Mas as características que ela revela na leitura da obra de Rossini - o ataque preciso, a afinação nunca aproximada, o manejo das dinâmicas, os agudos e graves firmes e bem projetados, além de uma segura utilização de legato - servem como microcosmos de toda a sua apresentação, que revelou uma intérprete não apenas tecnicamente impecável como dona de musicalidade ímpar. É justamente a articulação entre esses dois elementos que fez, por exemplo, das Canciones Clásicas Españolas, de Fernando Obradors, muito mais do que vinhetas despretensiosas a evocar cenas e temas da cultura catalã, da dor de amor de "Corazón, porqué pasáis?" à extroversão de "Chiquita la novia", passando pela nostalgia de "Con amores, la mi madre". Ou que permitiu a ela criar atmosferas contrastantes em duas árias de Haendel, extraídas das óperas Semele e Ariodante. Na sequência dedicada a árias de obras baseadas em peças do francês Beumarchais (As Bodas de Fígaro, de Mozart, e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini), impressiona a maneira como, por meio do cuidado com as palavras, ela desenvolve a caracterização dos personagens, do adolescente Cherubino, que fala da descoberta da paixão em Voi Che Sapete, à jovem Rosina, irritada por conta da dificuldade de encontrar seu amado conde Almaviva na ária Una Voce Poco Fa. Na segunda parte, o destaque foi o ciclo de canções Veneza, do compositor francês Reynaldo Hahn. DiDonato quebra o protocolo e conversa, bem-humorada, com o público entre cada uma das peças. Explica que elas a fazem lembrar imediatamente da cidade que inspirou tantos artistas ao longo da história; de quebra, comemora a enorme quantidade de jovens na plateia, elogia a beleza da Sala São Paulo. Pouco depois, cria um clima mágico de introspecção ao interpretar uma ária antiga do desconhecido compositor Stefano Donaudy, ou então a canção de Ginastera que ofereceu como um dos extras, peça, explica, que preparou especialmente para a sua primeira turnê latino-americana. Que não seja a última.

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