02 de abril de 2011 | 00h00
Domiciliada em Londres e em Barcelona, a influente revista Granta acaba de conceder cidadania a 22 netos das três madrinhas, todos nascidos depois de 1975. Com direito à edição em inglês, reúne em antologia Los Mejores Narradores Jóvenes en Español. Ao retirar o foco de luz do tabuleiro dos estados-nações, questiona-se a organização clássica da diversidade cultural europeia e hispano-americana. Esta se representa pelo uso pessoal e literário da herança comum, a língua de Cervantes. Jovens espanhóis se misturam a outros mexicanos e argentinos. A Academia Francesa (1635) já se sujeitara ao peso pós-colonial da globalização. Nela tomam assento o argentino Bianciotti, a argelina Djebar e o chinês Cheng. Os representantes das nations unies françaises têm voto na casa de Richelieu. Ah! O fantasma incorrigível do cardeal...
Os 22 convocados não compartilham os ideais dos avôs, escritores militantes na esquerda ou na direita. Desiludidos com a luta política, iludidos com as transgressões em arte, os novos transitam entre literatura e cinema, como a argentina Lucía Puenzo, que abre a antologia com narrativa onde a irreverência morde o leitor. Intitulado Cohiba, nome de sedutor negão cubano, o conto se passa durante a realização de festival internacional de cinema em Havana. A cidade se desmilingue na opção pelo subdesenvolvimento insustentável. A imagem engajada do filme de Michael Moore envaidece a tela do festival e é torpedeada pelos espectadores, cujas mãos selvagens atiçam o gozo sexual no escurinho do cinema. Em seminário na escola de San Antonio de los Baños, trona García Márquez, figura patética e nada brilhante. Resume o cubano Cohiba: "As empresas de turismo nos vendem com quatro S: sun, sex, sand e sea".
No conto Condiciones para la Revolución, sua conterrânea Pola Oloixarac exuma memórias de juventude e o respeito aos heróis dos anos de chumbo. O leitor volta os olhos para o verão de 1973. Na estante, Eduardo Galeano e García Márquez. Na cabeça dos personagens, slogans do Partido Comunista Revolucionário. Nas praças públicas, o som "de las mujeres caceroleantes" (do panelaço). "Fueron tiempos muy duros, muy duros." Ponto para a diversidade. No conto Un Infierno Propio, de André Neuman, o passado é só literário e está subjugado aos reclamos perversos postos em cena por Pedro Almodóvar no filme Maus Hábitos. Notável poetisa mexicana do século 17, Sóror Juana Inés é musa do narrador e nos dias de hoje sua companheira de folguedos brejeiros e inomináveis. Comparado ao comportamento das "redentoras iluminadas" de Maus Hábitos, o de sóror Juana no conto de Neuman não destoa.
A boa prosa requer também o pagamento de pedágio pelos muitos anos vividos. Em caso de dívida, o modelo avocado pelo discípulo controla como radar o espaço narrativo. É o caso do conto Un Hombre Llamado Lobo, de Oliverio Coelho, onde o clássico Pedro Páramo, de Juan Rulfo, monitora a procura do pai, perdido numa cidade fantasma. O realismo fantástico ainda cobra porcentagem, como no conto De la Puerta y los Seres Extraños, de Sonia Hernández. Já a violência inibidora da tradição literária sobre os novos autores arma o conto/parábola Unas Cuantas Palabras Sobre el Ciclo de las Ranas, de Patricio Pron. Tema da atualidade é garantia de que o autor não é azarão. Oriundas talvez das velhas comédias de Frank Tashlin e Jerry Lewis, as ironias sobre o consumo desenfreado ganham corpo nas relações entre Eva e Diego, no conto homônimo de Alberto Olmos.
Se o modelo não aflora, pode aflorar a angústia da criação em oficina literária. Leia-se o conto El Lugar de las Pérdidas, do boliviano Rodrigo Hasbún. Se a angústia da criação não aflora, o texto torna-se cismarento e não consegue definir o personagem a não ser pela estranheza do que faz. Vá ao conto Olingires, de Samanta Schweblin. Ou pode ficar no tatibitate divertido, bem escrito e meio irresponsável de La Vida de Hotel, do espanhol Javier Montes. Garanto: futuro autor de best-sellers.
Uma antologia de jovens ficcionistas acende o néon de novos nomes na mente letrada do leitor. É também suporte comercial na indústria do livro. No Modernismo, a antologia de jovens foi semelhante à revista de vanguarda. Ambas serviram para avançar nomes e ideais estéticos, políticos e sociais comuns. Hoje, exibe futuras vedetes ao olhar midiático ou cibernético do leitor. Nas velhas noites cariocas, o bar Amarelinho armava a vitrine para o artista. Suas mesas são substituídas pelo site e pelo blog do escritor. Nestes faltam copos de chope e as fofocas dos garçons. Sobram autores ensimesmados, ativos e interativos que, a trocar mensagens pelo espaço cibernético, tentam reanimar afetos, ojerizas e pactos, cimento das gerações literárias.
Ao bater a inveja, fará falta a leitura da Vida Literária no Brasil - 1900, do impecável historiador Brito Broca.
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