PUBLICIDADE

José Resende inaugura mostra em SP

Ele expõe oito esculturas na galeria Raquel Arnaud, a partir de amanhã

Por Agencia Estado
Atualização:

Se José Resende chocou ao erguer enormes vagões de trem sobre o caos em movimento da Radial Leste, em sua instalação para o mais recente Arte/Cidade, agora o artista retoma a escala humana, dentro do espaço íntimo da galeria Raquel Arnaud, nos Jardins, onde inaugura amanhã mostra com oito esculturas de fatura recente. Novamente a proporção do homem está presente e aproxima artista e espectador, uma característica marcante na trajetória de Resende, explicitada no próprio fazer das obras - como nas marcas que testemunham a ação de derramar parafina ou no esforço exigido para retorcer canos de latão. O elemento-chave é a calota, cuja tendência circular se prolonga, deixando à mostra a dificuldade para se erguer do chão, permanecer suspensa no ar ou então se agarrar a beiradas de mesas e ali estar, em precário equilíbrio. "Todas as peças possuem esta idéia de movimento, dado pelo deslocamento das calotas, criando estes corpos e arquiteturas", afirma Resende. A escala humana também é decisiva na configuração que as obras assumem depois de prontas: quatro calotas juntas, penduradas pelo teto, lembram uma impossível rede de praia fabricada por uma metalúrgica, na medida exata de um corpo que ela parece aguardar. A obra de Resende é generosa, na medida em que permite à matéria-prima se expressar nitidamente e também por não tentar esconder do público a engenharia que está por trás de cada criação. São em geral materiais comuns, pesados e industriais, o que possibilita livres associações com seus processos de construção, deixados às claras. "A minha proximidade com a arte é a mesma do espectador. Apenas nos equipara, em uma disponibilidade comum, que o trabalho artístico pressupõe", compara ele. "Esta disposição permite que o público experimente parte da vivência que levou à realização da obra. Isto não é nenhuma estratégia ou método, apenas a minha forma de acesso à expressão." A peça que mais chama a atenção é uma grande escultura de ferro, latão e cobre. Três calotas invertidas (com a boca para cima) funcionam de base para estruturas tubulares de cobre que apontam para o céu, terminando em canos de latão retorcidos que se unem em um ponto central. A parte interna de cada uma das calotas guarda uma poça d´água, formando um desenho circular que compõe com os limites do objeto - mas que também dá margem a outras leituras, ao servir de depósito de ferrugem, testemunho da sedimentação do tempo e lembrança de certo caráter frágil daquele material, vulnerável à corrosão, apesar de sua resistência aparentemente infalível. Outra maneira de o espectador se aproximar deste trabalho - que resume muito da póetica desenvolvida por Resende em suas quatro décadas de carreira - é enxergá-lo como uma poderosa "máquina de transformação", captadora de energia da natureza (água da chuva) que recebe em suas entranhas de aço e cobre, e que faz dela parte integrante da construção artística. Como explicar a complexidade destas estruturas se elas são contruídas a partir de formas reconhecíveis do mundo cotidiano? Afinal Resende parte de um repertório comum de hastes, canos (daqueles de geladeira?), tecidos (de cortina?) e calotas que, caso invertidas, se transformariam em pratos de bateria. Uma resposta possível está na conjunção íntima que o artista estabelece entre os materiais e as estruturas que eles engendram, agregando as coisas do mundo e abrindo caminho para que novos significados venham à tona. A desorganização das hastes flexíveis, no alto, é conformada pelos longos tubos de aço, que por sua vez funcionam como contra-peso das calotas. Inconciliáveis, marcas de chumbo derretido precisam ser amarradas com fio de aço ao ferro das calotas. Desta forma, sem perder sua identidade, cada um destes elementos originais abdica de sua condição de coisa do mundo para se articular em conjunto, dando vida a um corpo que passa a interferir no espaço onde será colocado, na vida e no homem que se disponha a interagir. "A compreensão do trabalho passa por este reconhecimento e esta estranheza. É na conjunção destes pólos que a mente vai buscar sentido." Como que atingida por fortes ventos, chuvas e trovões, a escultura toda parece se mover sem cessar, navio de aço à deriva que, inexplicavelmente, não emborca. Seja por adesão, seja por incompatibilidade, Resende é capaz de articular todos estes elementos e criar nexos entre eles - às vezes, apesar deles. José Resende. De segunda a sexta, das 10 às 19 horas; sábado, das 11 às 14 horas. Gabinete de Arte Raquel Arnaud. Rua Arthur de Azevedo, 401, tel. 3083-6322. Até 21/7. Abertura amanhã às 11 horas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.