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Jornalista reconta os anos de chumbo, piração e amor

Lucy Dias lança hoje Anos 70 - Enquanto Corria a Barca, uma "reportagem subjetiva" sobre a década que mudou tudo

Por Agencia Estado
Atualização:

Cada geração tem sua década, o conjunto dos anos em que era jovem e portanto seus sonhos eram tão fortes e poderosos que parecia ser possível realizá-los. A jornalista Lucy Dias teve a sorte grande (e, junto com ela, o terrível azar) de ter tido como sua a década de 70, aquela que, no Brasil, mais ainda que a de 60, mudou tudo, ou quase tudo. Terrível azar: foi a década de Garrastazu Médici, da censura, da tortura, da guerrilha, amigos presos, amigos sumindo assim pra nunca mais. Sorte grande: foi também a década da contracultura, do contra-establishment, da transgressão, da derrubada de valores, do arrombamento das portas da percepção, das drogas, do transar desenfreado, do pé na estrada, do rompimento com padrões seculares, da aposta no alternativo, das conquistas do feminismo. Os leitores têm agora a sorte (sem ter que sofrer com as dores do azar) de poder relembrar, ou conhecer, tudo isso no livro Anos 70 - Enquanto Corria a Barca (Editora Senac São Paulo, 360 páginas), em que Lucy Dias faz o que chama, com total propriedade, de "uma reportagem subjetiva" sobre os "anos de chumbo, piração e amor". Trama complexa Não é um tratado, ou uma tese sociológica, com pretensos rigores científicos. Como a autora avisa no seu prefácio, ela não teve a intenção de dar conta de toda a complexidade e trama daqueles anos trepidantes, "nem de fazer um levantamento histórico do período; nem mesmo de buscar interpretações para algo que apenas foi vivido como necessário, quando os pilares da velha ordem ruíram, abalados por uma estranha onda jovem". Há, sim, uma vasta pesquisa que a autora fez em diversos livros que falam sobre a época, e em material da imprensa - a grande e também, e sobretudo, a imprensa nanica, ela própria um fenômeno típico daqueles anos de chumbo e desbunde. Mas a grande, farta e saborosa cereja do livro são as entrevistas realizadas por Lucy Dias com 30 personagens dos anos 70 - gente que viveu e que fez a década, que de alguma maneira, em algum campo, transgrediu as normas, ajudou a sociedade a avançar além delas. Alguns são gente conhecida, como Heloisa Buarque de Hollanda, Rose Marie Muraro, Maria Lúcia Dahl, Ezequiel Neves. Outros não - embora tenham militado na cultura, na imprensa, na política. Uma parte deles assumiu tudo e assinou embaixo. A outra metade preferiu aceitar a oferta da autora e se manter no anonimato, em troca da entrega de revelações de histórias e dramas pessoais que muita gente poderia considerar inconfessáveis. E aqui cabe explicar (ou lembrar, para quem sabe quem é a autora) que a maior especialidade de Lucy Dias - ao lado do texto primoroso, um dos melhores da imprensa brasileira - é exatamente esta: a de saber entrevistar. Ao longo de três décadas, ela exercitou e aprimorou a arte de saber entrevistar. Durante os sete anos primeiros anos da Marie Claire, ajudou a estabelecer o texto que diferencia essa revista de todas as demais. Lucy Dias tornou-se um marco, virou nossa melhor repórter investigativa da alma humana. Suas entrevistas vão fundo e vão fundo e vão fundo; os entrevistados vão abrindo o coração de uma forma que nem seus analistas possivelmente conseguem. Assim, Anos 70 - Enquanto Corria a Barca acaba sendo um documento único, singular, sobre aqueles anos de chumbo, piração e amor. Quem tem hoje entre 45 e 55 anos vai se identificar com os personagens, as situações, os medos, as angústias, as frustrações, as loucuras, a lucidez. Aqueles que nasceram depois, e viveram suas juventudes nestes últimos anos em que nem há mais o que sonhar, após o fim das utopias, deverão sentir, no mínimo, uma ponta de inveja. Anos 70 - Enquanto Corria a Barca, Editora Senac São Paulo, R$ 70,00. Lançamento nesta terça, a partir das 19 horas, na Livraria Boa Vista (Av. Brigadeiro Faria Lima, 2007), São Paulo.

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