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‘Jornal do Brasil’ II, o retorno

Quando se anuncia a volta do ‘JB’, sai antologia de seu lendário ‘Suplemento Dominical’

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Por Humberto Werneck
Atualização:

De vez em quando, há notícias boas – e uma delas, na semana passada, foi que o Jornal do Brasil, hoje encontrável apenas na internet, vai voltar às bancas, das quais, exangue, desapareceu há mais de 6 anos. 

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São Tomé pra lá de escaldado, botei um pé atrás, ou os quatro, se você quiser: lançamento de jornal numa conjuntura em que tem sido inverso o movimento? Cruzei os dedos, claro. Mas, torcedor prudente, não vou comemorar antes da hora a ressurreição daquela que foi, não só para mim, uma publicação especial entre as demais. Não era o nosso maior diário, nem o mais influente. Ainda assim, sempre foi, nas bancas, aquele que meus olhos (não necessariamente as mãos) buscavam em primeiro lugar.

O nome afortunado, de veículo de imprensa que almejasse representar um povo inteiro, não explica a aura que singularizou o Jornal do Brasil durante breve porém densa fatia de seus 119 anos de existência. Aquela década e meia, grosso modo, da metade dos 50 ao final dos 60, durante a qual o Rio de Janeiro, ainda capital da República, depois Estado da Guanabara, viveu uma quadra de esplendor nas artes, na cultura e nuns tantos vanguardismos comportamentais. Cinema Novo, Bossa Nova, tudo novo, e a cintilação dos Anos JK autorizando a ilusão de que Brasil finalmente ia dar certo. Como nenhum outro, o JB tinha a cara daquele Rio de Janeiro.

Foi ali, naquela cidade e naquele jornal, que ecoou mais amplamente o movimento da poesia concreta criado em São Paulo pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari. Mais exatamente, nas páginas de um caderno que deixaria marcas muito além do tempo em que circulou, de 1956 a 1961, o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil – do qual, coincidentemente, se volta a falar nestes dias em que se anuncia a ressurreição do JB. 

Uma notícia nada tem a ver com a outra – mas, para um redivivo Jornal do Brasil, dificilmente poderia haver melhor cartão de visitas do que esta caixa em que acabo de pôr as mãos. Recém-lançada pela editora carioca Beco do Azougue, ela traz uma antologia, em fac-símile, de edições do Suplemento Dominical, garimpadas por Renato Rezende, Roberto Corrêa dos Santos e Sergio Cohn. Em 28 cadernos, aqui está o registro de um dos momentos mais ricos e interessantes da cultura brasileira, nele incluídos o surgimento da poesia concreta e os seus desdobramentos. 

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Que baita time aquele do SDJB, ativo num tempo em que à condessa Pereira Carneiro e a seu genro Manuel Francisco do Nascimento Brito ainda não tinha ocorrido a infeliz ideia de transferir o Jornal do Brasil da avenida Rio Branco para o paquiderme arquitetônico que haveria de ser seu mausoléu, na zona portuária. Até fisicamente, ainda estava o JB no centro do que acontecia.

Dá gosto abrir a caixa e desdobrar as folhas largas, no formato – 40 centímetros por 60 – dos jornais daquele antigamente, cujo visual, então revolucionário, tinha a assinatura de ninguém menos que Amilcar de Castro, e nelas encontrar, sob a batuta do editor Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar, Augusto e Haroldo de Campos, João Cabral de Melo Neto, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Glauber Rocha, Bárbara Heliodora, Mário Pedrosa, Lúcio Rangel, Benedito Nunes, Antonio Houaiss, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Paulo Emílio Salles Gomes e todo um vasto etc. 

As reproduções permitem refazer, entre outros, o instante em que a parceria de Gullar com os concretistas começou a trincar, em seguida se partir, e daquela dissidência nascer o movimento neoconcreto. Num campo como no outro, muita teoria e bem pouco de concreto. Depois viria uma troca de sopapos literários, quase literais, que atravessaria 6 décadas, ao fim das quais a pendenga estava reduzida a dois sobreviventes, Gullar e Augusto, num ringue sobre o qual, somadas as idades, mais de 160 anos nos contemplavam. A altercação só terminaria por falta de antagonista, com o falecimento, em dezembro passado, de Ferreira Gullar. 

Foi também a morte o que, bem antes, em novembro de 1962, pôs fim a outro memorável bafafá na história do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. O deflagrador, no caso, foi o jovem poeta, crítico e tradutor Mário Faustino, que empreendeu ali uma implacável revisão da produção poética brasileira. Talentoso, preparado, seguro de si, provocador, o autor de O Homem e Sua Hora não poupou estrelas e asteroides do establishment literário.

Hematomas para todo lado. Sobrou puxão de orelha para Carlos Drummond de Andrade, acusado por Faustino de omissão, pois se limitava a escrever poesia, sem embarcar em muito papo sobre ela. Sobrou também para Manuel Bandeira, que deu o troco com um poeminha de circunstância, tão ácido quanto preconceituoso, inédito em livro até ser recuperado por Alexei Bueno em sua Antologia Pornográfica: “Mário Faustino de Veras/ Se és deveras veado/ porque não assinas logo/ pra quem dás ou pra quem deras/ ou darás, Faustino amado:/ em vez de Mário Faustino,/ Mário de Veras Veado?”.

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Até por falta de um Faustino e um Bandeira, não se espera que, de volta, o Jornal do Brasil vá suscitar reações da mesma natureza. O importante é que ele venha e, nos dois sentidos, reassuma o seu papel.