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Jobim, o sonho revisto

Documentário quer transportar o público para o universo mágico e emocionante do compositor

Por Luiz Carlos Merten e RIO
Atualização:

Desde as primeiras imagens que batem na tela, A Música Segundo Tom Jobim transporta o espectador para um universo mágico. Surgem imagens do Rio, em preto e branco. À esquerda da tela, começa a aparecer um velho avião - da Panair do Brasil. Sem uma palavra, a imagem situa a época, os anos 1950, e o som já é o da trilha do documentário.A codiretora Dora Jobim conta que embarcou, desde a primeira hora, no conceito proposto por Nelson Pereira dos Santos. O filme é um documentário musical no sentido mais radical do termo. As pessoas - Tom Jobim, Elis Regina, Frank Sinatra, Gal Costa, que é a primeira a aparecer, só cantam. Nenhuma entrevista, nenhum letreiro. Imagens e sons. É a antítese do moderno documentário musical, em que outras pessoas - em geral, os mesmos - dão seus depoimentos sobre os artistas focados. A crítica dessa tendência é feita pelo diretor Victor Lopes em As Aventuras de Agamenon, quando o jornalista Nelson Motta revela-se confuso e pergunta para qual filme está dando depoimento, e sobre quem.Nelson acha graça da história contada pelo repórter. Todo mundo já entrou para a sessão especial de A Música Segundo Tom Jobim e agora Dora Jobim e ele estão à disposição do repórter no lobby do cinema no Rio. O conceito de Nelson fica expresso por meio de uma frase que só aparece no final. Seria óbvio colocá-la no começo, ela aparece só no fim, depois que o espectador já fez sua parte. Todo filme se constrói no imaginário do público, que precisa reconstituir no inconsciente o que acaba de ver, No caso de A Música Segundo Tom Jobim, mais ainda. A frase é do próprio Tom: "Só a linguagem musical basta".Nelson Pereira dos Santos conhecia Tom Jobim desde o alvorecer do Cinema Novo. "O Tom fez a trilha de muitos filmes da gente, na época", ele conta. Quem o apresentou foi Cacá Diegues. Anos mais tarde, Nelson fez, na antiga Manchete, um especial de quatro episódios que já se chamava A Música Segundo Tom Jobim. Lá, sim, havia entrevistas com luminares da música popular e da erudita - por exemplo, Radamés Gnatalli -, que Tom entrevistava para contar uma história da música no País.Houve um período que até Hollywood quis contar a história de Tom Jobim. O próprio Nelson foi chamado para dirigir o filme. Iniciaram-se as tratativas. Tom hesitava. Nelson não tem medo de ser politicamente incorreto. "Ele tinha medo de que Hollywood pusesse algum viado para interpretá-lo e a coisa não evoluiu." Veio de um cineasta, Marco Altberg, a sugestão de que Nelson fizesse um documentário. Por que não? O patrocínio foi fechado no fim de 2009, no fim de 2010 o filme deveria ter ficado pronto. O prazo estourou. Menos por excesso de material e mais pelo cuidado em reunir material que Nelson e Dora Jobim, a esta altura incorporada ao projeto, consideravam imprescindível.Dora trabalhou num projeto, Jobim Music, no começo dos anos 2000, que lhe permitiu conhecer o acervo do avô, mas reuni-lo não foi fácil. Foi preciso esperar o trecho do Japão. Judy Garland foi outra negociação interminável. O YouTube exigiu rios de dinheiro pelos direitos de Insensatez. Quando o material chegou, a qualidade deixava a desejar. "Judy já estava acabada, dá a impressão de cantar numa nuvem" afirma Nelson. Na lista de canções e artistas que não poderiam faltar estavam, claro, Sinatra, Elis Regina e Elizeth Cardoso. A cantora que era chamada de 'divina' canta Eu Não Existo Sem Você, cujas imagens em preto e branco pertencem a este Rio do alvorecer da bossa nova. A cidade, como a cultura brasileira, estava em pleno processo de ebulição. No Planalto Central, Brasília estava sendo erguida. No Rio, construía-se o aterro. Elizeth canta, Agostinho dos Santos, também, e justamente A Felicidade, da trilha de Orfeu do Carnaval, que correu mundo como filme, premiado em Cannes, de Marcel Camus (mais tarde refeito por Cacá Diegues). E seguem as músicas. Elis e Tom, Águas de Março. Sinatra e Tom, Girl from Ipanema, Sarah Vaughan, Wave. E Diana Kroll, Pierre Barouh, Henri Salvador, Silvia Telles...Uma grande reticência, porque não há um só intérprete que, fazendo uma leitura da música segundo Tom, não proponha algo denso, rico, original - mesmo quando a voz sai tão leve que parece não envolver o mínimo esforço. Gal Costa, Se Todos Fossem Iguais a Você. A 'história', propriamente dita, de Tom é contada quase imperceptivelmente por meio de detalhes. Uma foto aqui, um filme ali, mas sem a indicação da época exata. Tom e Chico Buarque na final do Festival Internacional da Canção. A expressão do jovem Chico quando o público racha e as pessoas aplaudem e vaiam Sabiá. O que representava aquela música, aquela declaração de amor ao Brasil, às raízes, em plena ditadura? Não era o reverso exato de uma canção engajada como Caminhando, de Geraldo Vandré?Nelson já levou A Música Segundo Tom Jobim a festivais internacionais - Nova York, Santa Maria da Feira (Portugal), Amsterdã. Em toda parte, a acolhida é entusiasmada, e emocionada. Ele sabe que fez um belo trabalho. Está sereno. Pronto para recomeçar. O próximo filme será um retorno à ficção, sobre Dom Pedro II. Nelson não antecipa o que será, mas com certeza quer falar mais uma vez de mudança. Com o imperador de brancas barbas, o Brasil monárquico virou republicano. Nelson, aos 80 anos, continua filmando revoluções - artísticas, humanas, políticas. O contexto é outro, não mais o do Cinema Novo, mas ele permanece fiel a si mesmo, e isso é ótimo.

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