João Ubaldo Ribeiro na era eletrônica

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O livro eletrônico de João Ubaldo Ribeiro, Miséria e Grandeza do Amor de Benedita (Nova Fronteira, 117 págs., R$ 3,80), disponível no site Submarino, atraiu bastante atenção da imprensa - que, no entanto, deu prioridade à discussão do formato em vez do conteúdo. É até natural, uma vez que Ubaldo vinha de um sucesso de público, com A Casa dos Budas Ditosos, lançado no ano passado pela Objetiva na coleção Os Sete Pecados Capitais, que, além das resenhas habituais, foi motivo para extensas entrevistas e reportagens. Antes de tudo, é preciso dizer que Miséria e Grandeza funciona como livro eletrônico. A edição é caprichada, podendo ser lido com razoável conforto na tela do computador (aí, a qualidade do monitor faz diferença). Além disso, também é um romance suficientemente pequeno para ser impresso e carregado em folhas avulsas. Mas estamos voltando ao aspecto técnico. No novo livro de Ubaldo, no entanto, o que menos importa é o suporte: não há links, hipertexto ou coisa parecida. Sem a utilização desse gênero de recurso, a Internet funciona apenas como um novo modo de entrega - tem tanta importância quanto o motoqueiro que carrega a pizza: quem realmente interessa é o pizzaiolo e a execução da receita. Portanto, cabe muito pouco falar da tecnologia. Já gastamos três parágrafos, não vamos além. O novo livro de Ubaldo pode ser visto como um belo exercício de retórica. Utiliza-se de Itaparica, da radioatividade natural e da história da ilha baiana para defender uma tese: a de que homens e mulheres podem ser igualmente grandes em suas realizações e virtudes, mas não podem escapar de seus pecadilhos e prevaricações, se se querem grandes. Assim, Benedita é mulher de Deoquinha Jegue Ruço, morto na primeira página do romance, cuja vida será então recontada. Deoquinha, "de pia Deoclécio Pimentel", é um herói masculino. Tem seus incontáveis filhos, suas inumeráveis mulheres, mas apenas uma grande esposa, Benedita. Ocorre que um desses filhos "ilegítimos", César Augusto, encaminha-se para a vida religiosa. Nada complicado, se o padre Noronha não exigisse que, para ser enviado ao seminário, em sua certidão de batismo constasse o nome do verdadeiro pai, Deoquinha (e não de Rosalvo, "um desqualificado"), e da falsa mãe, Benedita - que, além disso, teria de acolhê-lo em casa, como se filho seu fosse. A roda do enredo, que era até então um tanto estática, passa a girar. As mais intrincadas relações familiares, criadas e retomadas pelo sexo, passam a dar sentido à história, para que Benedita aceite a infâmia e o menino seja conduzido à vida religiosa. Depois de muito esforço de Deoquinha, em que o prazer vira dever, tudo dá certo. O que parecia um conto sem um bom final ganha sentido com a entrada em cena do inesperado: um estrangeiro reencontra em Itaparica prostitutas que conheceu em Salvador. Acaba sendo acusado de difamar mulheres honestas da ilha. A surpresa, no caso, também revela um mistério, cujas pistas já estavam plantadas no correr do romance. E é esse mistério que, mais do que "comprovar" a tese, completa a sua formulação. Nesse interessante pequeno romance (ou conto grande, o leitor pode escolher), Ubaldo produziu não uma obra-prima, mas um bom trabalho. Voltando ao exemplo da pizza, pode-se dizer que a Internet está entregando uma pizza de mussarela, simples, é verdade, mas feita por um bom pizzaiolo - o que garante sabor e diversão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.